Já imaginou uma noiva, no dia mais feliz da sua vida, toda vestida de branco da cabeça aos pés, penteada e maquilhada, de bouquet em mãos… mas sozinha? Pois bem, no Japão, essa imagem não é mais fruto da imaginação, mas sim uma realidade cada vez mais popular. Os ‘solo weddings’ (casamentos ‘a solo’, em português) são uma tendência que tem vindo a crescer em popularidade no país do sol nascente, onde algumas mulheres entenderam que, afinal, não é preciso ter outra pessoa para se organizar um casamento. O sonho é vestir roupas bonitas, arranjar-se e tirar fotografias, tal e qual um álbum de casamento tradicional, mas sozinhas, sem os compromissos e as dores da vida em matrimónio. De uma forma geral, é como organizar e desfrutar uma festa sem ter de arrumar o salão no dia seguinte.
A tendência tem ganho adeptos no Japão ao longo dos últimos, mas não é novidade nenhuma. Já em 2016, Naomi Harris viajou até Tóquio para celebrar o seu casamento… sozinha. A história foi contada através do britânico The Guardian, onde a noiva relatou em detalhe o seu dia especial. “Estou acordada no meu quarto de hotel em Kyoto, a quase 6 000 quilómetros de casa, com o estômago embrulhado. A minha mente está a mil com os pensamentos do meu casamento amanhã. E se eu não conseguir passar por isto? Respiro fundo e digo a mim mesma que não tenho nada com que me preocupar. Não me podem abandonar no altar, porque a pessoa com quem vou casar sou eu mesma”, contava a britânica então, que citava na altura um dos websites que oferecia estes serviços, e que pinta a imagem do porquê da fama desta atividade. “É solteira e não sabe se poderá casar e ter uma cerimónia de casamento no futuro próximo, mas gostaria de ter algumas fotos suas num vestido de noiva ou num lindo quimono de noiva agora, enquanto é jovem e bonita?”, lê-se no anúncio do website Cerca Travel.
E é mesmo esta a ideia: o Japão é um dos países onde as relações interpessoais têm sofrido mais alterações nos últimos anos, com grandes índices de solidão e de homens e mulheres que vivem as suas vidas sozinhos, sem parceiros, muitas vezes sob pesadas horas de trabalho que impedem as suas vidas sociais. Que o diga Rina, uma jovem japonesa acompanhada pela jornalista britânica da BBC Sue Perkins, que a acompanhou ao longo do dia mais especial da sua vida. “Eu quero divertir-me, mas não posso dizer que não ao meu emprego, porque estou preocupada com o meu futuro. Quero ganhar dinheiro enquanto sou jovem”, justifica a jovem noiva, quando questionada sobre o porquê de querer avançar com este casamento ‘a solo’. E o negócio não está nada fraco. Nessa mesma peça jornalística, as maquilhadoras em torno de Rina afirmam que chegam a ter até 10 serviços de ‘solo weddings’ por mês.
A revolução a solo
Mas estas declarações de amor próprio vão além de sessões fotográficas para colocar nas redes sociais. Por vezes, os eventos são tal e qual os casamentos ‘tradicionais’, com convidados e tudo, em que as ‘noivas’ se declaram perante a sociedade como seres cheios de amor próprio, capazes e independentes. Trata-se de uma apresentação pública à sociedade como pessoas emancipadas e independentes, uma realidade comum na Europa e nos Estados Unidos, onde o movimento feminista e a emancipação das mulheres é uma realidade há décadas, mas que no Japão não é bem assim. O país mantém ainda regras sociais muito apertadas em relação às mulheres – por exemplo, aquelas que chegavam aos 25 anos de idade por casar eram rotuladas como “Bolo de Natal”. Uma expressão pejorativa, que compara estas jovens solteiras aos pastéis natalícios velhos que, depois do dia 25 de Dezembro, não podem mais ser vendidos. Mas isso parece estar a mudar, e os solo weddings são um reflexo disso. Afinal de contas, se nos anos 90 apenas uma em cada 20 mulheres japonesas nunca tinham casado aos 50 anos de idade, esse número decresceu para uma em cada sete, relativamente ao ano de 2015.
O New York Times acompanhou, por exemplo, a japonesa Sanae Hanaoka, de 31 anos, no seu casamento… com ela própria. “Queria descobrir como viver por conta própria, disse Hanaoka frente ao grupo de 30 pessoas que a acompanharam na cerimónia, num restaurante de gabarito num dos distritos mais posh de Tokyo. “Quero depender unicamente da minha própria força”, concluiu.
É a verdadeira revolução das mulheres japonesas emancipadas, e os mercados começaram a perceber que há um novo ‘nicho’ a explorar. Começaram, então, a surgir restaurantes desenhados para jantares ‘a solo’, salas de karaoke (muito populares no Japão) para utilizadores únicos, ou reservadas unicamente para mulheres, e até complexos urbanos de apartamentos especificamente construídos para mulheres jovens e solteiras.
Os casamentos no Japão começam a ser coisa do passado. Afinal de contas, segundo dados do próprio Governo nipónico, em 2018, o número de casais que ‘ataram o nó’ foi o mais baixo desde a II Guerra Mundial. Tratou-se, aliás, do sexto ano consecutivo em que o país viu decrescer o número de matrimónios. Em troca, as mulheres japonesas descobriram que podem ter toda a diversão de um casamento tradicional – o bolo, as fotografias, o vestido e a maquilhagem – sem o compromisso de aceitar passar o resto da vida com outra pessoa.