Tudo começou com o nascimento na Tunísia e os primeiros anos de vida passados em vários países. «Os meus pais eram diplomatas e percorremos o mundo inteiro. O último posto do meu pai foi na ONU, em Nova Iorque. Conheci o meu ex-marido, viemos para Portugal, ele não se adaptou, voltámos para os EUA, mas eu disse-lhe que queria poupar o máximo possível. A minha filha mais velha, a Rita, tem 24 anos e a mais nova, a Cláudia, tem 13, vai fazer 14 e queria que a Rita acabasse o liceu cá. Estivemos a percorrer a América inteira porque ele saltitava de um trabalho para outro: Memphis, Iowa, Carolina do Sul, etc.», começa por explicar Sofia Reino, filha de diplomatas, destacando que a morte da mãe, em dezembro de 2013, com cancro, a fez encarar a vida através de outra perspetiva.
«Meses mais tarde, descobri que também estava com cancro. A minha filha cuidou de mim e uma senhora dos Camarões ajudou-me muito. Tinha começado a viver a vida do consumismo, tudo o que é americano. Estava a irritar-me: a vida é toda à base dos cartões de crédito e, de repente, era isso, as casas, os carros… Tínhamos bons trabalhos, mas parecia que nunca tínhamos dinheiro ao fim do mês. O cancro da mama foi uma maneira de me acordar: digo que agradeço porque apercebi-me de que tinha uma vida completamente estúpida», admite, confessando que, depois de a filha mais velha ter ido para uma escola de dança, em Espanha, ficou com a filha mais nova e o pai. Mas somente 10 meses, pois este viria a morrer também.
«Fiz as bagagens, não trouxe quase nada, e fiquei com o meu pai. Recomecei a minha vida aos 50 anos. Quando ele estava a ficar muito mal, descobri que tinha cancro do pulmão. A minha médica, Catarina Abreu, foi fantástica. Queriam operar-me, mas disseram que tinha de ser em março. O meu pai morreu em abril, fui ao hospital e fiz a cirurgia», diz a mulher que acredita ter sido encarada como «louca» pelos profissionais de saúde que conhecia quando lhes disse que o cancro «ia ficar quietinho no lugar dele» enquanto necessitava de tratar do pai. «Mas foi mesmo isso que aconteceu!».
«No meio destas loucuras todas, comecei a minha quinta biológica e comunitária. Criei isto para comer e os voluntários levam um cabaz para casa. Deixei de trabalhar para a Universidade da Carolina do Sul e dediquei-me a este projeto. E, desde dezembro, sou representante legal da Fundação Khanimambo em Portugal. Não gosto de dizer que não tenho cancro: digo que estou em remissão», reflete a fundadora da quinta TerrAzoia – Far beyond organic que pode ser visitada em Colares, Sintra.
«Sinto-me abençoada. Que sorte tenho por os meus pais terem comprado um terreno quando o preço era muito reduzido! E, com apenas este pedaço de terra, consigo produzir tanto e ajudar tantas pessoas! Como é que não posso ser abençoada?», questiona Sofia, de quase 54 anos, que já desfilou na New York Fashion Week de lingerie para apoiar a METAvivor Research and Support Inc., tendo contado com a mestria de @locostrutrunway para se sentir confortável. «Nós não deixamos de ser mulheres. Não passamos a ser seres assexuados. Existimos e fazemos sexo como qualquer pessoa. Vivo um dia de cada vez. Não sei o que acontecerá amanhã, mas aproveito cada segundo», assevera, ilustrando a força e a coragem que as sobreviventes desta doença têm. Quem tem uma história muito diferente da de Sofia é Maria de Lurdes Cabral: a diferença é que em vez de ter uma doença, é vista pelo marido como a doença do mesmo.
«O que mudou na minha vida é que tive um casamento de 48 anos sempre de tortura. O meu marido dava-me choques elétricos, queimava-me, amordaçava-me, violava-me… Engravidei 10 vezes, mas só tive 4 filhos porque com tanta pancada perdia os bebés. Até que, em setembro do ano passado, com os filhos criados, saí de casa e vim para casa da minha filha. Eles não querem que me divorcie porque temos bens como uma casa e uma quinta. Não penso divorciar-me por causa disso. Entendo que eles não queiram ver o pai nem a mãe a passar dificuldades», constata a mulher de 64 anos que vivia na Lourinhã e, atualmente, reside no Algueirão, em Mem-Martins.
«Ainda ontem o vi porque ele veio trazer fruta e legumes. Só lhe disse para ficarmos amigos, não me ameaçar para eu voltar. Diz que sou a mulher da vida dele, insiste, mas eu já lhe disse que não podemos ficar mais do que amigos. Não podia ir ao café, não podia falar com as minhas vizinhas… passei estes anos todos praticamente sozinha», confessa a vítima de violência doméstica, indicando que até os telefonemas que fazia eram gravados porque o marido tinha sempre um telemóvel escondido para não perder o conteúdo de nenhuma conversa que tivesse.
«Ele não aceita que é doente mental, só é saudável em termos físicos. Ele diz que eu sou a doença dele. Eu sei o quanto ele gosta de mim, não duvido disso, mas gostar e maltratar-me… Uma coisa não coincide com a outra. Ele também me traía, desde solteiros. Engravidei aos 16 anos, antes de casar, o meu marido tinha 20, e já ele andava com outras mulheres», afirma uma das milhares de vítimas deste flagelo.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou um aumento de 113% nos atendimentos nos últimos cinco anos, tendo, em 2021, apoiado uma média de 37 pessoas por dia, das quais 25 mulheres e cinco crianças. Segundo o relatório divulgado recentemente pela associação, com dados relativos a 2021, foram contabilizados um total de 75.445 atendimentos, referentes a 15.617 pessoas e com um registo de 13.234 vítimas diretas de crime.
À época, a APAV informou que 77,9% das vítimas foram do sexo feminino, mantendo-se assim a tendência dos anos anteriores, mas a percentagem de vítimas do sexo masculino tem vindo a aumentar: «Em 2019 representavam 18,7% (2.180) e em 2021 já atingiram os 19,6% (2.601) das vítimas». O número de atendimentos feitos em 2021 representa um aumento de 13,6% em relação aos 66.408 feitos em 2020, ascendendo este número a 113% quando a comparação é feita com o ano de 2016, em que se realizaram 35.411 atendimentos.
Na lista dos dez principais crimes cometidos, surgia em primeiro a violência doméstica (19.846 casos), os crimes sexuais contra crianças (1.416), ofensas à integridade física (649), ameaças/coação (646), difamação/injurias (585), discriminação e incitamento ao ódio e à violência (394), crimes sexuais contra adultos (294), perseguição (253), burla (170) e ‘sextortion’ (159). Entre as 13.234 reconhecidas como vítimas, 78,5% são mulheres, com uma idade média de 40 anos e uma relação com o autor do crime. Sabe-se ainda que 1.959 vítimas eram crianças ou jovens e que 59% delas eram do sexo feminino, sendo a idade média 11 anos e também com uma relação com o autor do crime. «Do total de 13.234 vítimas, a APAV registou, em 2021, 13.413 autores/as de crime. O maior número de autores/as é do sexo masculino (8.167; 60,9%), mantendo-se, desta forma, a tendência de anos anteriores que demonstram que são os homens os principais agressores», lia-se no relatório.
«Fui operada ao nariz e quando cheguei a casa percebi que ele tinha andado a ver filmes pornográficos. Não há respeito nenhum. Não podia continuar naquela casa. Foram muitos anos a aguentar até que resolvi parar. Não tinha coragem de sair porque, praticamente, passei a vida grávida. Não tinha emprego, como me sustentar, e ele sabia que eu era dependente dele. Agora que tenho a minha filha mais velha a viver bem, ela acolheu-me. Esta minha filha tem 45, tenho outra com 42, outro com 33 e a mais nova com 28. Foi uma violência gigantesca. Saí de casa no dia 22 de setembro de 2021 e nunca mais voltei», assume, lamentando, porém, que a primeira não lhe dirija uma única palavra. «Deixou de falar comigo, diz que eu tenho de aguentar o casamento e que não é ao fim de quase 50 anos que tenho de deixar o pai dela. Ela até diz que já não tem família em Portugal e vai continuar no estrangeiro».
«Tive depressão durante quatro anos e meio e só deixei a medicação em janeiro deste ano. Aguento-me muito bem porque, neste momento, não tenho ninguém que realmente me irrite. Os meus filhos viram os meus tormentos. As minhas filhas não prestaram atenção, cada uma foi à sua vida, mas o meu filho, que é advogado, disse que já chegava e que estava a morrer aos poucos», adiciona a mulher que desabafou com o médico de família e disse-lhe o terror que vivia. «Andei em consultas de psicologia e psiquiatria, mas eu não queria ir fazer queixa à APAV e ir para um abrigo longe de tudo e todos. Estou muito bem aqui. Como o meu marido tem uma pensão de 800 euros por mês, o meu filho estipulou que ele tem de me dar 150 euros. Envenenei-me várias vezes porque já não aguentava a minha vida. Custa-me saber que ele está sozinho, mas fico feliz por saber que ele está bem e eu estou ainda melhor. Só desejo que ele me deixe em paz. Estou a recomeçar a minha vida e nunca é tarde: vou viver o tempo que me restar sossegada».
Jornalismo? Sim e não
Ana Bela Mourinho tem exatamente a mesma idade que Maria de Lurdes, mas foi jornalista durante 25 anos na Impala.
«Já estava com 42 anos, tinha dois filhos (têm 30 e 33 anos; um é tatuador e outro designer gráfico), o meu marido ganhava muito bem e decidi vir para casa tomar conta deles. E aí estraguei tudo. O meu marido decidiu deixar de estar numa empresa e abrir uma loja. E eu fiz o mesmo, abri uma também para eventos. Se calhar, apostei no sítio errado, em Fontanelas», conta à LUZ, apontando que «como trabalhava na decoração, principalmente de casamentos, o sítio não era significativo. Infelizmente, o nosso país veio por água abaixo e acabei por fechar a loja em 2007 e ficar em casa».
«Vendi a minha casa, foi uma asneira que fiz, pensei em comprar outra, mas tudo começou a complicar-se. Tentei, durante muito tempo, voltar ao jornalismo, mas penso que já era velha. Como tinha uma carteira antiga, tinham de me dar um ordenado muito bom. E ninguém queria fazer isso. A minha carteira ficou suspensa, mas como não fiz nenhuma atividade oposta ao jornalismo, ainda a tenho», declara, considerando que as redações «mudaram completamente». Por isso, a única oportunidade que teve para voltar à imprensa prendeu-se com a produção de revistas técnicas de culinária, em 2013.
«Ao fim de 5 anos e meio, o patrão queria reduzir-me o ordenado para metade. Fazia todos os dias quase 2 horas de manhã e 2 à tarde em transportes, não havia condições para continuar a ir de carro, só recebia 400 euros. Fui para um hotel 5 estrelas, em Sintra, e trabalhávamos 12 horas. Era camareira. Nem sequer comia. Fazia tudo. Recebia 220 euros. Sujeitei-me a isto, o patrão deu-me 100 euros de gorjeta no primeiro mês», conta aquela que já passou igualmente pela cozinha de um lar, esforçando-se ao máximo para que os utentes tivessem uma alimentação equilibrada, por uma empresa de limpezas e foi voluntária num canil.
«Vou fazendo tudo aquilo que vai aparecendo e também já andei nas feiras de artesanato. Agora estou em casa durante quase todo o dia, mas estou há 3 anos a dar aulas, as Atividades de Enriquecimento Curricular, no 1.º ciclo. Através de uma associação, dou Expressão Plástica. Este ano, estou a dar TIC porque nenhum informático se sujeita a isto por 5 euros por dia. Acho que não estou a fazer um mau trabalho», narra, lembrando que foi candidata à Junta de Freguesia de S. João das Lampas e Terrugem há nove anos. «Já fiz tudo! O que virá a seguir?», questiona.
A três dias de completar 55 anos, Susana Gonçalves, que começou a trabalhar em jornalismo com 18 anos, ainda estudante universitária, lembra que emigrou para Angola em 2014. «Podia, e sei lá se não devia, ter vindo a partir da década de 1990, mas acredito que as coisas acontecem no momento certo! Sempre tive o sonho de conhecer este país e morar cá. Não sei explicar bem o motivo, mas quem me conhece sabe perfeitamente que sempre tive este sonho», recorda, salientando que foi viver para casa da família do pai do filho. «A minha família, portanto, pilar fundamental nesta aventura. Ainda hoje vivo com eles, mesmo depois de ter refeito a minha vida sentimental com um homem extraordinário que aqui conheci e que é um dos mais preciosos presentes que recebi de Angola».
No ano de 2020, a emigração portuguesa para Angola atingiu novos mínimos em 2019, com 1.708 cidadãos portugueses a procurarem este país africano como destino, como explicou então a agência Lusa, o que representa cerca de um quarto das entradas registadas em 2015, como revelou o Observatório da Emigração. Use as ferramentas de partilha que encontra na página de artigo.
De acordo com os dados dos consulados da República de Angola em Lisboa e no Porto, este valor representa um decréscimo de 31% face ao ano anterior. Há sete anos, quando se registou um máximo de 6.715 entradas em território angolano, o número de emigrantes portugueses para este país tem vindo a diminuir significativamente: -42% em 2016, -24% em 2017, -36% em 2018 e -11% em 2019.
«Acho que sou, de certa forma, uma pessoa completamente diferente. Sobretudo, porque aprendi a simplificar a vida.
Sou muito amiga da farra, bem-disposta e aqui percebi que a amizade não implica sacrifícios e é extremamente valiosa. Há sempre tempo para nos encontrarmos e estarmos juntos, não temos propriamente de ter grandes combinações. E há sempre alguém que nos ajuda quando precisamos», finaliza a profissional. «Estou numa situação muito confortável. Com a pandemia, aprendemos que é possível trabalhar online a partir de onde quer que seja. Os meus pais têm uma certa idade e, com o surgimento da covid, fiquei muito preocupada por não estar próxima deles. Estive, um período grande, a trabalhar a partir de Portugal e correu tudo bem. Agora estou em Angola e vou a Portugal. Aproveito o melhor dos dois mundos. Obviamente, não sou angolana, Portugal é a minha terra e pondero voltar».