Por Filipa Moreira da Cruz
A primeira vez que me instalei em França foi em Março de 2007, umas semanas antes da eleição de Nicolas Sarkozy. Cinco anos mais tarde, vi François Hollande ser eleito. Os quase oito anos passados em Paris foram inesquecíves, mas também marcados por greves, revoltas sociais e um atentado. Razões suficientes para deixar a capital. Após alguns anos no estrangeiro regressei a França. Desta vez, numa pequena cidade na Bretanha. Emmanuel Macron tinha sido eleito há um ano, sem convicção.
No tempo em que estive fora nunca deixei de seguir a atualidade política do país, provavelmente mais do que o meu marido que é francês. Os gauleses deixaram de estar interessados em quem os (des)governa e não se sentem identificados com nenhum dos políticos. A exceção talvez chegue dos franceses espalhados pelo mundo. Os meus amigos que vivem no Dubai, na Austrália, no Canadá e em Espanha não se importam de esperar mais de duas horas para votar. Tudo pelo amor à pátria.
Estas eleições francesas foram ainda mais mornas que as anteriores. Primaram pela apatia e o desinteresse da população (que não é recente). Os únicos que mostraram entusiasmo, para além dos candidatos, foram os militantes dos diversos partidos que deram tudo por tudo. Como sempre. O contexto atual não ajuda. Dois anos depois, a Covid ainda deixa marcas e a guerra na Ucrânia é bem mais grave que a escolha do novo presidente. Macron ainda tentou convencer Putin, mas as suas ações foram ridículas e desastrosas.
Nenhum dos candidatos conseguiu chamar a atenção para os desafios que o país atravessa porque nenhum os citou, pura e simplesmente. Não houve uma única referência à saúde, à educação, ao meio ambiente. Curioso numa altura em que o GIEC (grupo intergovernamental de especialistas sobre e evolução do clima) acaba de publicar um relatório alarmante. Talvez se esqueçam que só temos um planeta. O único tema comum aos 12 aspirantes a presidir a Quinta República foi o poder de compra. O desemprego, a inflação, a forte subida do preço dos combustíveis e a escassez dos cereais serviram de mote comum. No país onde a baguette é uma instituição nacional ninguém arriscou a sair da linha. As políticas podem ser de esquerda, de direita ou do centro. Podem até mesmo tocar os extremos, mas ninguém é capaz de propôr um líder à altura da nação. Ou talvez seja o povo que só pense numa coisa: o dinheiro. Como se tudo o resto fosse supérfluo.
Os resultados da primeira volta confirmaram algumas certezas e trouxeram dores de cabeça adicionais. O partido socialista está obsoleto e nem mesmo os militantes de esquerda acreditaram no programa de Anne Hidalgo. Os seus votos foram para a extrema esquerda de Jean-Luc Mélenchon que conseguiu um honrado terceiro lugar. O antípoda Eric Zemmour criou um partido à pressa, em abril de 2021, e arrecadou 7% dos votos. O que não deixa de ser impressionante e, acima de tudo, preocupante. Marine Le Pen não surpreendeu, mas convenceu uma boa parte da população.
E agora?
O país está dividido e o mapa político é prova disso. Se os jovens (entre os 18 e os 25 anos) apostaram numa esquerda extremista, os eleitores com mais de 65 anos jogaram pelo seguro e escolheram Macron, tal como em 2017. Entre os dois, encontram-se os simpatizantes de Marine Le Pen que têm mais de 26 anos e ainda não estão reformados. Este fenómeno geracional demonstra que cada faixa etária tem uma linguagem própria, com códigos bem definidos. Cabe ao novo presidente criar uma harmonia entre todos, tarefa quase impossível.
Não gostaria de estar na pele dos franceses que, a 24 de Abril, terão de escolher entre a cólera e a peste. De um lado, um Presidente arrogante e elitista que gere o país como se fosse a banca Rothschild. O mesmo da reforma aos 65, aos 67 ou talvez aos 70 anos que seduz uma burguesia decadente. Do outro lado, uma candidata populista anti-Europa que pretende ser a reincarnação de Jeanne d’Arc.