Parece surreal, mas não é. As Forças Armadas brasileiras estão sob suspeita, após ter sido revelado que, entre 2020 e 2021, terão comprado mais de 35 mil unidades de Viagra, o famoso ‘comprimido azul’ que é principalmente usado para tratar a disfunção erétil. Segundo dados do Portal da Transparência e do Painel de Preços do Governo federal, citados pelo jornal brasileiro Globo, foram realizados, por unidades ligadas aos comandos da Marinha, do Exército e da Força Aérea, oito compras, tendo os processos de compra sido homologados em 2020 e 2021, mantendo-se válidos neste ano.
O processo ganhou destaque após o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) ter chamado à atenção para a aprovação da compra por parte das Forças Armadas brasileiras, em processos onde é identificado o medicamento pelo próprio nome do princípio ativo Sildenafila, composição Sal Nitrato (Viagra), nas doses de 25 mg e 50 mg. Segundo os dados avançados por esse deputado, a maior compra envolveu 28.320 comprimidos, e foi feita pela Marinha. Já o Exército viu aprovada a compra de outros cinco mil comprimidos, e outros dois mil para a Força Aérea. Mais, Elias Vaz mune-se de um documento onde, além da compra de Viagra, surgem também compras de produtos como remédios para a calvície (cerca de 420 euros), entre eles Finasterida e Minoxidil, botox (cerca de 100 mil euros) e gel lubrificante íntimo (cerca de 7 mil euros).
“Precisamos entender por que o Governo Bolsonaro está gastando dinheiro público para comprar Viagra, e nessa quantidade tão alta. As unidades de saúde de todo o país enfrentam com frequência falta de medicamentos, como insulina, para atender pacientes com doenças crónicas e as Forças Armadas recebem milhares de comprimidos de Viagra. A sociedade merece uma explicação”, disse Vaz, em comunicado.
A compra bizarra, no entanto, não é novidade nos quartéis brasileiros. Em 2020, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) denunciou o uso de quase 500 mil reais (cerca de 100 mil euros) dos apoios financeiros do Governo brasileiro às Forças Armadas durante a pandemia da covid-19 para comprar picanha, filet mignon, camarão e bebidas alcoólicas, entre elas uísque e cerveja.
O dinheiro, informou na altura o TCU no seu relatório, veio da ação orçamentária “21C0 – Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do Coronavírus”, e entre as compras estavam 140 toneladas de lombo de bacalhau, 700 toneladas de picanha e 80 mil cervejas.
Sobrepreço
Como se a compra dos comprimidos por parte das Forças Armadas brasileiras não fosse já suficientemente bizarra, os deputados federais Elias Vaz (PSB-GO) e Marcelo Freixo (PSB-RJ) avançaram junto do Ministério Público Federal (MPF) com um pedido para que este órgão apure se houve superfaturação nestes negócios, uma vez que, segundo suspeitam os parlamentares, o índice de sobrepreço pode chegar a 143%. “Viagra superfaturado! Depois de denunciar que o governo Bolsonaro está gastando dinheiro público para comprar Viagra para as Forças Armadas, descobri que o problema é ainda maior. Há suspeitas de superfaturamento de 143%”, comentou Elias Vaz.
Em resposta às acusações, o Ministério da Defesa brasileiro afirmou que o medicamento em questão é utilizado nas unidades militares para tratar pacientes com Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP). “Esse medicamento é recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento de HAP (…) os processos de compras das Forças Armadas são transparentes e obedecem aos princípios constitucionais”, disse o Ministério, em comunicado. E a própria Marinha desse país reagiu também em comunicado, garantindo que tratar-se de “doença grave e progressiva que pode levar à morte”.
Ainda assim, a bula do medicamento em questão revela que, nas dosagens compradas pelos militares brasileiros, este não trata a doença pulmonar. Segundo as informações publicadas no site da Anvisa, bem como numa portaria do Ministério da Saúde brasileiro, os 35 320 comprimidos de Citrato de Sildenafila compradas pelo Ministério da Defesa – de 25 mg e de 50 mg – não são recomendados para tratamento da hipertensão arterial pulmonar (HAP), uma vez que a versão indicada para o combate à doença é a de 20 mg, e não as dosagens compradas pelos militares, essas sim usadas em casos de impotência sexual.
E mais, a própria CNN Brasil citou vários médicos pneumologistas que garantem que a HAP, além de ser uma doença muito rara – pelo que a quantidade comprada não é proporcional à demanda – e que é mais comum em mulheres, não é compatível o serviço militar.
O próprio Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, comentou o assunto, estimando que o número de unidades de Viagra compradas pelas Forças Armadas seja de 50 mil comprimidos, uma quantidade que “não é nada”. A compra do medicamento foi, alega o Presidente brasileiro, para “combater a hipertensão arterial e também as doenças reumatológicas” e será “mais usado pelos inativos e pensionistas”. “Temos que recordar uns 15 anos atrás, quanto estavam pesquisando algo para combater a hipertensão pulmonar, que matava muito. Aí foi descoberto um remédio para isso. Paralelamente, também este mesmo remédio serviu para doenças reumatológicas. E como efeito colateral apareceu aí algo que combatia também a impotência sexual e que depois ficou conhecido como Viagra”, disse o Presidente, que no ano passado foi também alvo de polémica quando se descobriu que o Governo federal gastou mais de 15 milhões de reais (cerca de 2,5 milhões de euros), em latas de leite condensado.
Ao seu lado na defesa da compra esteve também o vice-Presidente Hamilton Mourão, que questionou, em entrevista ao Valor Econômico: “Então, tem o velhinho aqui [aponta para si próprio]. Eu não posso usar o meu Viagra, pô? O que são 35 mil comprimidos de Viagra para 110 mil velhinhos que tem? Não é nada”.
Próteses penianas
A história ganhou uma nova relevância quando, em conjunto com a revelação da compra de mais de 35 mil unidades de Viagra, o próprio Elias Vaz revelou também que as Forças Armadas terão gasto cerca de 700 mil euros do seu orçamento em próteses penianas. Sobre esta estranha compra, não se conhece ainda a justificação dada pelos militares brasileiros, mas o Tribunal de Contas brasileiro (TCU) abriu uma investigação à compra de 60 próteses penianas, cuja fatura terá sido paga com verbas do orçamento da Defesa brasileira. As compras terão sido feitas, revelou Elias Vaz, em três ocasiões diferentes ao longo de 2021, mas o Exército brasileiro desmentiu a compra, em comunicado.
E desengane-se quem acha que as Forças Armadas brasileiras pouparam na hora de escolher o modelo de próteses penianas alegadamente compradas. Segundo revelaram vários meios de comunicação social, as unidades terão um tamanho de sensivelmente 25 centímetros, e são revestidas de silicone, gozando de um comando externo e de reservatórios internos de ar.