Vestígios do software de espionagem Pegasus foram encontrados nos telemóveis de mais de 60 independentistas catalães. Trata-se de uma arma digital produzida pela NSO, uma empresa israelita que sempre garantiu só fornecer este serviço às forças de segurança e outros atores estatais. Levando o Governo regional catalão a apontar o dedo ao Estado espanhol.
“É uma desgraça injustificável”, condenou o próprio presidente do Governo da Catalunha, Pere Aragonès, na segunda-feira, no Twitter. “É um ataque extremamente sério aos direitos fundamentais e à democracia”, acusou Aragonès, cujo próprio telemóvel foi visado.
”Nem tudo é aceitável contra os teus adversários políticos”, declarou o presidente catalão. “A sensação de ser vulnerável, de te veres e à tua família expostos, torna-se em determinação”, exigindo um “referendo e independência”.
Entre os alvos do Pegasus estão dirigentes dos principais partidos catalães, o Junts, Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) – de cuja abstenção Pedro Sánchez dependeu para tomar posse como primeiro-ministro – e da Candidatura de Unidade Popular (CUP). Bem como da Assembleia Nacional Catalã e Òmnium Cultural, as associações que se viraram os principais articuladores da mobilização pró-independência nas ruas.
Estes dirigentes ficaram a saber que, durante algum tempo, as suas mensagens puderam ser monitorizadas, assim como as suas chamadas. O Pegasus até consegue recolher passwords, ligar a câmara sem que o seu alvo saiba, ou apagar a mensagem que infetou o dispositivo.
A infeção de telemóveis de catalães pelo Pegasus foi detetada pela Citizen Lab. Esta organização, composta por peritos da Universidade de Toronto, dedicou-se a investigar a utilização do software da NSO desde 2020, quando se soube que o Pegasus conseguia explorar uma fragilidade no WhatsApp, até então considerado invulnerável pelo seu sistema de encriptação.
Praticamente todos os ataques contra independentistas ocorreram entre 2017 e 2020, anunciou o Citizen Lab, em conjunto com a Amnistia Internacional. “Fortes provas circunstanciais sugerem uma ligação às autoridades espanholas”, indicou o seu relatório. É algo que implicaria tanto o Governo do Partido Popular, liderado por Mariano Rajoy, que cairia em 2018, bem como o Executivo que o sucedeu, encabeçado pelo PSOE.
O início da espionagem coincide como as tentativa do movimento catalão para levar a cabo um referendo à independência, em 2017. O Governo central respondeu em força, enviando polícia de toda a Espanha para fechar mesas de voto, entre protestos gigantescos.
Quase todos os elementos do Governo catalão responsáveis pela tentativa de referendo acabariam detidos, sendo acusados de crimes como usurpação de funções públicas, desobediência ou sedição. Advogados dos réus procés catalão estão entre os alvos do Pegasus.
A descoberta da espionagem massiva de dirigentes independentistas arrisca quebrar as negociações em curso entre o Governo e a ERC. Todos querem saber que agência terá sido a responsável pela espionagem, dado que a NSO – que negou o escândalo, prometendo só oferecer os seus serviços para o combate ao terrorismo e ao crime organizado, apesar de ser acusada de espiar dissidentes políticos e jornalistas a mando de Estados autoritários ou corruptos, como a Arábia Saudita e México – não divulga a sua lista de clientes. O principal suspeito são as secretas espanholas, o CNI, que se sabe que dispõe do Pegasus pelo menos desde 2020.