Após o pior surto de covid-19 na China, até agora, Xangai prepara-se para aliviar restrições. As autoridades chinesas creem estar cada vez mais próximas do seu ambicioso objetivo, ou seja, conter todas as infeções nas áreas de quarentena, seguindo a sua estratégia de tolerância zero à covid-19. Pelo meio, nesta próspera metrópole com 25 milhões de habitantes, coração financeiro da China, há gente que teme passar fome devido às restrições, sofrendo uma brutal quebra económica. Os protestos contra o confinamento – algo muito, muito arriscado face ao autoritarismo do regime chinês – têm sido localizados, mas indicam um crescente desconforto.
Apesar de as autoridades prepararem terreno para aliviar restrições, a vida em Xangai – onde já se registaram mais de 340 mil casos de covid-19 desde março, batendo as quase 70 mil infeções registadas em Hubei, a província de Wuhan, onde foi detetado o vírus – não voltou propriamente ao normal.
Os funcionários de fábricas como a da Tesla, por exemplo, receberam ordens para voltar a trabalhar, mas em circuito fechado, dormindo na fábrica. Esta fabricante de carros elétricos tem distribuído sacos-cama e colchões para que durmam no chão, segundo a Bloomberg.
O confinamento em Xangai atrasou a produção de uns 40 mil veículos da Teslas. E esta multinacional fundada por Elon Musk, o bilionário mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em mais de 273 mil milhões de dólares pela Forbes, está disposta a tudo para recuperar o seu ritmo. Mesmo que isso implique que os seus funcionários não vejam as famílias durante semanas.
O mesmo sistema de circuito fechado tem sido utilizado pela General Motors em Xangai, bem como pelo porto da cidade – permitindo que os bens ali produzidos continuem a chegar ao nosso mercado – e a Quanta Computer, que produz computadores portáteis para a Apple.
Já os comités de bairro, que o Governo chinês tem responsabilizado por manter o bem-estar nas áreas residenciais que dão por si subitamente isoladas, bem como de garantir que as regras são cumpridas, começam a acusar o desgaste.
“Pode chegar o dia em que tenho de me demitir porque não consigo aguentar mais”, desabafou um destes dirigentes de bairro, desesperado, num áudio escutado pelo Washington Post, à conversa com um idoso isolado, que implorava por medicamentos que o dirigente não conseguia obter.
Entretanto, os protestos contra a dureza do confinamento vão aumentando, com moradores isolados a chegarem ao ponto de ir às suas varandas gritar, desesperados, mostram vídeos nas redes sociais chinesas. Já o anúncio de uma gala em celebração pelo esforço do confinamento em Xangai na televisão estatal Dragon TV foi recebido com uma chuva de críticas online, acabando cancelado.
Há grandes dúvidas que a China, apesar dos seus enormes recursos, consiga manter por muito mais tempo a estratégia de tolerância zero contra a covid-19. “O vírus de Wuhan tinha um número de reprodução de dois, enquanto as novas variantes têm de 12 ou mais”, lembrou Robert Booy, um infecciologista da Universidade de Sydney, citado pelo Guardian.
“Portanto será quase impossível de controlar apesar dos esforços extraordinários para pôr em quarentena milhões de pessoas de uma vez e testá-las”, avisou. “Seria um milagre se eles conseguissem controlar o vírus apesar da sua abordagem extremamente exigente”.