Um jovem Presidente francês, que sempre sofreu de impopularidade crónica, enfrenta uma histórica da extrema-direita, que sonha há anos tomar o Palácio do Eliseu. O que decidirá a segunda ronda das eleições presidenciais francesas, este domingo, será sobretudo quanto é que cada candidato é detestado, apontam os analistas. Enquanto Emmanuel Macron e Marine Le Pen trocam acusações, com a União Europeia a observar, preocupada, dada a proximidade da líder do Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional) e o regime de Vladimir Putin.
O Presidente francês está com mais uns 5% nas intenções de voto que a sua adversária, mostram sondagens do Politico, mas isso não chega para que esteja descansado. Trata-se da mais pequena margem registada numa segunda volta das presidenciais francesas em que tenha entrado um candidato da extrema-direita. Muito distante dos esmagadores 66% com que Macron, então um antigo banqueiro centrista, quase desconhecido do público, foi eleito em 2017.
Desde esse voto de confiança, ou talvez de desdém por Le Pen, que a governação foi erodindo o apoio do Presidente francês. Rapidamente perdeu popularidade, batendo no fundo no início de 2019, com somentez 20% de aprovação, no rescaldo dos protestos contra a desigualdade e o aumento do preço do combustíveis dos coletes amarelos. Só conseguiria ultrapassar os 40% após a invasão russa da Ucrânia, devido aquilo a que politólogos britânicos se referem como o ‘efeito Falkland’. Ainda assim, a mais recente sondagem da BVA mostra que 58% dos franceses continuam a desaprovar a presidência de Macron, que não deixa ninguém indiferente.
‘Más reputações’
As ruas francesas estão cheias de graffittis contra Macron e Le Pen. Quase todos os cartazes eleitorais estão pintados com insultos como «elitista» ou «racista», espantou-se uma correspondente da BBC, que descreveu as presidenciais franceses como uma «batalha de más reputações».
No que toca a Macron, o profundo desdém com que é visto à esquerda faz com que muito deste eleitorado, apesar dos seus esperados anticorpos em relação à extrema-direita, esteja a ponderar abster-se. Não é algo negligenciável, tendo em conta que Jean-Luc Mélenchon (texto ao lado), o candidato da esquerda radical, foi derrotado na primeira volta das presidenciais com 22% dos votos, a uns meros 1,1% de Le Pen.
Macron ainda tem o lastro de se apresentar a eleições com a promessa de aumentar a idade da reforma dos 62 para os 65 anos, algo profundamente impopular. E que é recusado pela sua adversária, bem consciente que 70% dos franceses se opõem a esta medida, indicou uma sondagem recente da Elabe publicada pelo Les Echos.
Já a líder do Reagrupamento Nacional tem-se tentado distanciar dos seus anteriores comentários em relação a Putin – o «melhor estadista na Terra», um «verdadeiro patriota», chegou a descrever Le Pen – e dos empréstimos no valor de quase dez milhões de euros que o seu partido recebeu de um banco russo. E, em plena campanha eleitoral, dirigentes do Reagrupamento Nacional foram acusados pela agência anticorrupção da UE de desviar um total de 617 mil euros do Parlamento Europeu. Já Le Pen reagiu acusando Bruxelas de tentar interferir nas eleições francesas.
No meio disto, muitos franceses mostram-se desiludidos pelo sistema de duas rondas das presidenciais francesas – supostamente «desenhado para manter de fora os extremos políticos», descreveu a Foreign Policy, e inaugurado em 1958, em plena guerra da Argélia, quando o establishment gaullista temia um golpe militar da extrema-direita, ou o reforço dos comunistas – e sentem que, mais uma vez, estão a escolher o mal menor.
Talvez ninguém sinta tanto isso como os muçulmanos franceses. Em pleno Ramadão, terão de escolher entre uma candidata recorrentemente acusada de racismo, que quer colocar polícias a multar mulheres de hijab, ou um Presidente que endureceu o seu tom quanto ao islão nos últimos anos, e tem «erradicar as ideologias islamitas» como segunda prioridade no seu manifesto.
Macron, consciente que a França tem a maior comunidade muçulmana da Europa, uns 8,8% da sua população, segundo o Pew Research Center, ainda tentou reparar os estragos com uma visita de última hora aos banlieue de Paris, ou subúrbios, onde vivem muitos muçulmanos. Le Pen tem «um programa de discórdia», acusou o Presidente, que foi recebidos em Saint-Denis com cânticos emprestados pelos coletes amarelos, esta sexta-feira. Não deverá ter grande dificuldade em convencer os moradores desta bairro a não votar em Le Pen, mas terá maior dificuldade em fazê-los votar em si, dado que Saint-Denis tem uma das mais altas taxas de abstenção em toda a França.