Open House: The Great Sex Experiment. O fim do tabu da monogamia?

É a primeira vez que um reality show explora a questão das relações não-monogâmicas. A liberdade sexual continua a ser tema tabu na sociedade, mas será através de um programa televisivo com imagens explícitas que se muda o paradigma?

“Faz parte de um casal aventureiro que se quer explorar? Procura novas experiências? Neste conceito ousado, casais comprometidos chegam a um retiro de luxo para testar a ‘abertura’ dos seus relacionamentos e fazer sexo com outros, de forma a fortalecer o seu vínculo”. É assim que o Channel 4 descreve o seu novo reality show, Open House: The Great Sex Experiment, em português Casa Aberta: A Grande Experiência do Sexo, e que já tem causado burburinho por todo o mundo, uma vez que o tema tabu das relações não-monogâmias ganha, pela primeira vez, espaço num canal de televisão. Há quem o considere “uma nova experiência social ousada”, tentando dar-lhe foros de dignidade. Outros defendem que “tem valor educacional zero, e muitas vezes é insuportavelmente estranho”, tal como é o caso do jornal britânico The Guardian.

Seja como for, a série de seis episódios “viaja” por ménages, orgias e momentos tensos de ciúmes, tirando o pano precisamente a “um dos grandes tabus da sociedade” não só no Reino Unido como em quase todas as partes do globo: a recusa da monogamia, dando a conhecer outras formas de olhar e viver as relações, tal como é o caso das relações abertas e mesmo poliamorosas. Contudo, a pergunta impõe-se: será que um grupo de homens de camisa aberta e mulheres decotadas, imagens de sexo explícito e linguagem obscena, é a forma mais indicada para abrir mentalidades e “passar um pano” no conservadorismo que reina na maior parte das relações?

 

O programa

O retiro sexual é organizado por Jess e Thom, que estão num relacionamento aberto há muitos anos. A ideia é que o casal guie os recém-chegados através de encontros sociais, familiarizando-os com a ideia de beijar outras pessoas, e talvez mais. E é nos eventos sociais que o programa “pega fogo”. Os encontros preparados pela produção servem para atirar os membros dos casais “às feras”, como quem diz aos residentes secundários que ali se encontram para “meter lenha na fogueira”. Quem dita as regras? Lori Beth, a terapeuta de relações. Ao primeiro casal, constituído por Mady e Nathan, que procura o seu primeiro ménage, recomenda “que se divirtam”. Ele gabava-se de ter feito pelo menos dois trios antes de se comprometer com a atual namorada. Contudo, nessa noite, acabou por se tornar o “figurante”, já que no quarto Mady se divertiu sem olhar para trás.

Ao segundo casal, Jon e Danielle, que já se encontra casado há quase duas décadas e com difícil um historial de traições, a terapeuta aconselhou “calma”, proibindo-os de participarem no evento dessa noite. Mesmo sabendo que os quatro filhos assistiriam a tudo, os pais não se privaram da diversão. A mãe entregou-se a um homem com quase dois metros, enquanto o pai, na sala ao lado, beijava todas as mulheres que conseguia.

Ao longo do programa a terapeuta vai também incluindo explicações daquilo que acontece, apesar desses momentos não durarem muito. Talvez seja uma consequência daquilo que verdadeiramente dá audiências nos dias de hoje neste tipo de formato: corpos nus e dramas. “As pessoas acham que a não-monogamia é uma ameaça para as relações, quando a grande ameaça são as relações extraconjugais, as traições”, afirma a determinada altura a especialista.

 

Um programa educacional ou de entretenimento cru?

Mas terá este programa algum valor educativo? Estaremos realmente perante uma experiência social que quebra tabus? Ou Open House: The Great Sex Experiment não passa de outro programa de puro entretenimento que se apropria de um tema importante como este para ter audiências?

“Primeiro que tudo é importante deixar esta ressalva: tenho todas as dúvidas sobre os benefícios (para além daqueles que cada canal de televisão tem com as audiências) de experiências sociais transmitidas em direto, ainda para mais se envolverem questões de exposição de intimidade”, começa por explicar ao i Catarina Beato, mentora de relacionamentos. “Por isso, sendo o objetivo destes programas vencer as batalhas de audiências, fica pelo caminho qualquer caráter pedagógico ou de abertura de mentalidade de pudesse ter”, defende, sublinhando que “tem pena”. “E isso leva-nos ao que pode ser criticado por ser exposto, mas deverá ser motivo de crítica por acontecer?”, interroga. Segundo a especialista, a monogamia “é uma construção social, localizada num tempo e num espaço”. “Para mim, faz todo o sentido enquanto equipa e compromisso”, admite, sublinhando, contudo, que “não tem que fazer para todas as pessoas e que temos que deixar de ver a vida na nossa lupa de valores e perceber, de uma vez por todas, que a única exigência é o consentimento das pessoas adultas envolvidas num relacionamento”.

Interrogada sobre a questão do sexo, a especialista acredita que “será sempre aquilo que mexe, vende e também perturba, já que falamos pouco sobre ele”, e explica que mesmo numa relação de compromisso monogâmico (em que se escolhe estar comprometido com apenas a uma pessoa) “isso não tem que significar exclusividade sexual para o resto dos dias (embora também possa, se essa for a vontade dos dois)”: “Um casal, comprometido, feliz, satisfeito na sua vida íntima, pode querer ter relações sexuais com uma terceira pessoa, participar em orgias ou troca de casais. Um casal pode até viver sem sexo na forma como o imaginamos e ter uma energia sexual maravilhosa na relação. Voltamos à palavra que defendo como o verdadeiro sinónimo de fidelidade: consentimento”, acrescenta.

E mesmo quando há consentimento podem existir ciúmes? “Claro que sim. Os ciúmes são outro tema complexo e difícil”, afirma a mentora de relacionamentos, lembrando que “nem sequer precisam de factos para existirem”. “Não são outras mulheres ou outros homens que nos provocam ciúmes, são as nossas questões de abandono, segurança, amor próprio. Ainda assim, o ciúme vai buscar estados irracionais e será sempre palco para fragilidades e discussões, daquelas que as audiências gostam”, frisa. “Trazer para cima da mesa os temas da liberdade sexual, da monogamia, do consentimento ou mesmo do ciúme será sempre positivo. Fazer isso à custa da exposição de vidas reais que continuam depois de um programa de televisão, duvido muito”, remata.