André Medina tem 24 anos e pediu a namorada em casamento no mês passado. Mas esta não é a única novidade: em tom jocoso, conta à LUZ que, para além de estar a organizar o casamento, pegará nos tachos e nas panelas, pela primeira vez, juntamente com os irmãos – um mais velho e outro mais novo –, num Dia da Mãe. «Será um bocado diferente, mas sim, os três filhos estarão com ela!», sublinha o jovem, adiantando que tal acontecerá porque a mãe foi operada a uma hérnia umbilical na passada sexta-feira.
«Normalmente, a cada domingo nós juntamo-nos todos em casa dos meus pais, ao almoço. E depois faz-se um ‘serão’ pela tarde fora. Vemos futebol e fazemos outras coisas juntos. Contudo, a minha mãe foi operada, pelo que terá de ficar em total repouso nas próximas semana», conta o rapaz formado em Jornalismo que trabalha na Associação de Futebol de Ponta Delgada, nos Açores, de onde é natural.
«Acrescendo a isso, eu trabalho neste domingo, por isso, terei de sair de lá porque tenho de estar no estádio pelas 15h/16h. Contudo, esta situação acaba por criar algo novo e engraçado: como a minha mãe não nos pode ‘dar um almoço’, eu e os irmãos vamos para lá na mesma e cada uma vai levar coisinhas diferentes: chouricinho, galinha, bifanas, etc.», narra. «E seremos nós a preparar o almoço… Isto promete!», brinca. «Mas tudo isto acontecerá com a supervisão da namorada do meu irmão mais velho e da minha noiva», acrescenta, valorizando cada vez efemérides como esta por não esquecer o panorama vivido há dois anos e, de certo modo, também no ano passado.
A 24 de abril de 2020, António Costa anunciou que o fim de semana alargado de 1 a 3 de maio teria as mesmas restrições de deslocação entre municípios que o período da Páscoa devido à pandemia de covid-19. «Temos de manter o maior grau possível de contenção e isolamento», disse o primeiro-ministro aos jornalistas, em São Bento. «Mesmo para lá do estado de emergência, não vamos voltar a viver a vida normalmente. Será um 1.º Maio diferente para as centrais sindicais, mas, até haver vacina ou tratamento seguro, vamos ter de continuar a viver com restrições», frisou, realçando, então, que «mais vale ir agora lentamente e com segurança do que termos surpresas desagradáveis» mais à frente.
No entanto, há famílias que continuaram a estar juntas e celebraram as datas que são consideradas mais importantes. É o caso dos Castro, sendo que, no último Natal, a LUZ já tinha tido a oportunidade de falar com Teresa Castro, estudante universitária de 19 anos que tem 12 irmãos. «Em nossa casa, como a minha mãe não tem receio da covid-19, não deixamos de estar com ninguém por causa da pandemia. É um dia de cada vez, entregamos nas mãos de nosso Senhor. A Páscoa é que não foi igual às outras».
Até agora, o único evento que não celebraram como desejariam foi a Páscoa do ano passado. Excetuando este dia, tudo correu com relativa normalidade para a família natural de Cascais. «Juntamo-nos sempre em casa dos meus pais. Mantivemo-nos aqui. Somos quase todos vizinhos. Somos muito unidos. Claro que há sempre divergências, somos todos muito diferentes mas personalidades extremamente fortes. Mas, depois, perdoamo-nos e voltamos a ficar bem. É preciso saber superar os problemas», afirma a universitária que estuda Economia e Sociologia à distância numa universidade francesa.
‘Não deixo de fazer a minha vida’
Contudo, o panorama vivido no ano passado e, principalmente, o atual, não podem ser comparados com o de 2020. Quando António Costa divulgou que o Dia do Trabalhador e o Dia da Mãe não seriam comemorados como outrora, no início do surgimento do novo coronavírus, sabia-se que o Governo anunciaria, dali a seis dias, as primeiras normas de desconfinamento da sociedade e a reabertura do comércio e da economia.
Vivia-se a 3.ª declaração do estado de emergência e, entre 18 de abril e 2 de maio, a título de exemplo, foram detidas 136 pessoas por crime de desobediência, das quais 44 por desobediência à obrigação de confinamento obrigatório, 1 por desobediência ao dever especial de confinamento, 60 por desobediência ao dever geral de recolhimento domiciliário, 14 por desobediência ao encerramento de instalações e estabelecimentos, 1 por desobediência às regras de funcionamento do comércio a retalho, 3 por desobediência às regras de funcionamento na prestação de serviços, 12 por resistência/coação e 1 por desobediência quanto às restrições de circulação no período de 1 a 3 de maio.
Há quem tivesse ‘desobedecido’, à semelhança dos Castro, esclarecendo que nunca (ou quase nunca) deixou de realizar os encontros familiares habituais: no Natal, na Páscoa, no Dia da Mãe, no Dia do Pai e em muitos mais dias festivos que foram vividos nos últimos dois anos. «Não deixo de fazer a minha vida por causa da covid-19», garante Sofia de Melo Breyner, de 51 anos – mãe de um rapaz de 25 anos e de três raparigas com 22, 18 e 14 anos. «Venho de uma família enorme. Somos 9 irmãos, 23 netos, já alguns bisnetos, maridos e mulheres e juntamo-nos em casa da minha mãe, em S. João do Estoril», indica a cascalense que partilhou os planos natalícios, há quatro meses, com a LUZ.
«Eu acho que as restrições, se vierem, serão depois das eleições porque agora não lhes interessa com a campanha eleitoral à porta. Vai haver a primeira semana de contenção e, depois, veremos o que acontece. Não concordo, por exemplo, com o facto de que tenho de fazer um teste todos os dias para ir ver a minha sogra ao lar. É complicado», declarava, na altura. «Concordo com as máscaras, apesar de, hoje em dia, qualquer dia que nos chegue ataca-nos logo. Estamos com muito menos proteção, mas temos de nos proteger. As restrições de circulação foram uma parvoíce porque as pessoas, que querem sair do seu concelho, saem com antecedência», volta a salientar.
«Nós somos portugueses, damos a volta a tudo! Também não concordo com as restrições nos eventos ao ar livre: podemos ir com um certificado e pronto. Quero dizer, posso ir a um restaurante comer e estar ao pé de alguém com covid-19, mas não posso ir a um jogo. O meu filho mais velho é fanático do Sporting e vamos, mas isto é difícil. Então, em dias de jogo, esgotam as farmácias», criticou em dezembro, explicando que não deixaria de estar com quem mais ama devido à covid-19 e continuaria a ver o filho mais velho e a filha mais nova «com as mãos na massa» a cozinharem alegremente para os familiares.
E o mesmo se aplica à comemoração que acontece este domingo e cuja primeira referência remonta à Grécia Antiga, quando a chegada da da primavera era festejada em honra de Rhea, a Mãe dos Deuses. «Vai ser uma alegria, todos precisamos de estar juntos! Acima de tudo, conviver!». Todavia, as restrições já são muito distintas daquelas que foram aplicadas até às últimas semanas. No dia 21 de abril, foram atualizadas as medidas do plano de controlo da pandemia, no Conselho de Ministros.
Deste modo, ficou decidido que o uso de máscara ou viseira é obrigatório para pessoas com idade superior a 10 anos, no acesso lares e estruturas residenciais, estabelecimentos de saúde – como farmácias, centros de saúde, unidades hospitalares ou transportes coletivos de passageiros – e a apresentação do Certificado Digital COVID da União Europeia passou a ser necessária somente em contexto de viagens internacionais.
Há exatamente uma semana, dava-se conta de que havia chegado «o dia da libertação», pois o Governo decidira, na quinta-feira, levantar o uso de equipamentos de proteção individual sem esperar que fosse atingido o nível de mortalidade estabelecido como meta na resposta à covid-19, sendo que a Direção Geral da Saúde tinha mostrado dias antes maior cautela, num esforço para que pelo menos a Páscoa fosse ainda vivida com alguma contenção.
André poderá estar com a família, mesmo com a mãe, que foi submetida a uma intervenção cirúrgica. Sofia até poderá ir visitar a sogra sem problemas, na medida em que a apresentação do certificado deixou de ser obrigatória nestas estruturas. E Teresa respirará de (algum) alívio junto dos 12 irmãos. Pela primeira vez, oficialmente, tanto estas três famílias numerosas como as restantes portuguesas verão a cara de todos os familiares sem quaisquer máscaras a ocultarem-lhes os sorrisos.