No início do ano letivo, quando folheio os livros da primária dos meus filhos, fico sempre assustada com a quantidade de matéria que vejo. Por exemplo, as crianças com sete anos, que começaram há pouco tempo a ler, a escrever e fazer contas de somar e diminuir, iniciam, a português, a gramática e, a matemática, a multiplicação, a divisão, as frações, a conversão das medidas de comprimento, sólidos geométricos, vértices, área, perímetro, capacidade e volume.
Não seria melhor apostar em consolidar bem a leitura, a escrita e a matemática básica e ir introduzindo aos poucos outras noções que permitam às crianças iniciarem novas aprendizagens, mas de uma forma lúdica e concreta? Pergunto-me, por exemplo, se será mesmo necessário crianças de sete anos aprenderem a nomenclatura da gramática e a representação de frações. E se, com o programa extenso que têm, é de esperar que consigam aprender de forma eficaz todos os conteúdos.
Os adultos na sua vida competitiva tendem a exigir demasiado dos mais novos. Acham que se as crianças ‘perderem’ muito tempo a aprender o básico serão medíocres e que têm de iniciar o mais cedo possível a corrida, o que é claro na forma como se tem carregado o programa curricular nos últimos anos.
Antigamente a escola primária servia para aprender a ler, a escrever e a fazer contas, que serão a base para tudo o resto. Com o avançar do tempo foram sendo introduzidas, aos poucos, mais matérias, mas o peso é cada vez maior e mais difícil de cumprir de forma saudável e eficaz.
Penso que se parte da premissa errada de achar que quanto mais cedo se forçar a aprendizagem de matérias mais avançadas e quanto mais conteúdo for introduzido, mais preparadas as crianças estarão quando forem mais velhas. O que é um erro! As crianças não se tornarão mais geniais por aprenderem em catadupa uma série de matérias mais complexas e abstratas. A sabedoria popular alerta-nos para isso de várias formas: ‘devagar se vai ao longe’, ‘depressa e bem não há quem’, ‘quanto mais depressa, mais devagar’, ‘a pressa é inimiga da perfeição’, ‘não se deve pôr o carro à frente dos bois’. O que acontece é que, a não ser que seja dada de forma básica, prática e lúdica, com tempo e ligação a vivências concretas do dia-a-dia, a introdução de matérias mais avançadas não vai fazer com que as crianças se sintam mais preparadas para as consolidar no futuro. Muito pelo contrário. Estarão somente a tirar o foco do que é prioritário e a roubar tempo para aprender em condições o que é mais importante e será essencial durante toda a vida. O ensino primário deveria existir, em termos de aprendizagem, para criar bases sólidas para a vida e que facilitarão as futuras aprendizagens. Quem é que, por exemplo, consegue acabar hoje a escola primária com a tabuada na ponta da língua? Uma vez uma professora de um dos meus filhos disse-me que já nem exigia isso da turma porque não tinha tempo. E que consequências isso terá nos cálculos futuros?
Estas bases serão os pilares de tudo o que daí advirá. Quanto mais sólidas forem, mais estável o edifício, neste caso composto por todos os anos letivos que os alunos terão pela frente – pelo menos mais oito andares, para concluir o ensino obrigatório. No caso do atual extenso programa, que dificilmente não levará todos a embarcar numa corrida contra o tempo, será mais difícil a base ser firme, o que poderá levar a uma série de constrangimentos – como a dificuldade da interpretação dos enunciados dos testes, da escrita, ou da resolução de problemas e complexidade crescente da matemática – que podem fazer com que se desista de construir o edifício, a assistir a uma série de fragilidades ou, no pior cenário, a vê-lo ruir.
Rouba-se, além disso, a oportunidade de os primeiros quatro anos de escolaridade poderem ser levados com calma, persistência e originalidade, avançando e recuando, com tempo e dedicação, para encontrar as melhores formas para ensinar e chegar a todos e a cada um, com as suas diferenças e especificidades – como todos deveriam ter direito – para professores e alunos andarem numa correria e num esforço desnecessário a tentar cumprir um programa demasiado extenso e exigente.
Aquilo a que assistimos é que os jovens chegam ao 12.º ano e à vida adulta sem saber fazer contas ou escrever corretamente. Já por várias vezes, amigos que são professores universitários desabafaram como ficam horrorizados ao ler as provas dos seus alunos: têm 20 anos e não sabem escrever!