T odos os anos, quando o calor aumenta, a minha amiga Ana pergunta: ‘Já mudaram para a roupa de verão? Já me apetece vestir roupa fresquinha!’. Nessa altura começo a preparar-me mentalmente para o meu tetris semestral da mudança de roupa. Com cinco crianças em casa, com dois anos de diferença entre cada, pode ser uma mudança que dura até à estação seguinte, e às vezes no final da época, para minha irritação, ainda encontro peças de roupa que não cheguei a pôr a uso.
Encho-me então de coragem e começo a tirar tudo dos armários. Começo por guardar, com determinação, as camisolas de lã, mas o resto do processo não é assim tão simples. Há sempre noites mais frias, pelo que é melhor deixar ainda alguns pijamas quentinhos e uns abafozinhos – como diria o meu amigo João.
Há muitos anos que as roupas vão passando de irmão para irmão, mas vão também aparecendo mais algumas novas para renovar o armário, pelo que, nesta altura do ano, os quartos transformam-se numa autêntica feira de Carcavelos. E é aí que começa o jogo. Para complicar as coisas, há tamanhos misturados, porque embora a ideia seja a de fazer tudo com uma enorme organização, o processo falha sempre em toda a linha. E depois são umas roupas para aqui, outras para acolá, pilhas de um metro que se desmoronam, roupas que ainda servem do ano anterior; outras que deixam dúvidas; as que já não servem e passam para o irmão mais novo; as que ficam no meio de dois e só vão servir no ano seguinte; as de que me lembro mas que devo ter emprestado ou se perderam e que me vão assombrar a estação inteira; as que já não servem a nenhum deles e que são postas de lado para dar; aquelas que já foram usadas tantas vezes que só podem ser recicladas; ou ainda as que têm manchas de tinta mas de que eles gostam tanto… No meio de todo este processo, eles entram no quarto e começam a tirar e a vestir todas as roupas que já não viam há um ano…
É no meio deste puzzle que me vêm à memória todas as histórias e recordações associadas àquelas roupas que me passam pelas mãos. Roupas com mais de 10 anos, que vêm passando de irmão em irmão. Umas compradas por nós, outras oferecidas com carinho pelos avós, tios ou amigos, outras herdadas dos primos. E depois há sempre aquelas que já não servem a nenhum e que vão para o fim da linha, que vão sair do jogo depois de nos terem acompanhado ao longo de tantos bons anos. Não são as roupas em si que me fazem pensar, é claro, mas as memórias associadas a elas, o tempo que vivemos e já não volta, os bebés que foram e já não são. Que nunca mais serão. O que nem nós voltaremos a ser. A vida de uma família que se foi fazendo, ano após ano, inverno após inverno, verão após verão, com tudo o que cada estação nos trouxe. A primeira praia, a primeira chuva, o chapinhar nas poças de água ou de lama, ser aconchegado nas noites mais frias ou tirar a roupa toda e correr de fralda de braços no ar pela casa fora.
É sempre um processo que acarreta sentimentos contraditórios, de satisfação e de saudade. Mas sobretudo de alegria, por tudo o que vivemos, pelos anos que passámos juntos e pelo feliz caminho que temos pela frente, de descoberta, de aprendizagem, de novidade e crescimento. Com roupa maior todos os anos e cada vez mais gasta de tanto brincar e de tanto viver.