A palavra, horrenda, entrara no léxico de todas as línguas do planeta: cancro! Com ponto de exclamação. Ou muitos pontos de exclamação, já agora. Chamaram-lhe o Flagelo do Século e, ainda hoje, não sabemos muito bem como lidar com ele, tal como acabámos por ser surpreendidos por uma estranha nova gripe que fez parar o mundo. Congressos e debates, artigos científicos. A comunidade médica mundial trocava ideias, lançava propostas, traçava cenários para o futuro. Mas, e o presente? Era o cancro uma doença incurável? A maioria das pessoas tendia a aceitar que sim. Que um diagnóstico de cancro era equivalente a uma sentença de morte. Ou mesmo a um atestado de óbito.
Havia uma franja de investigadores que era de opinião que para descobrir um remédio contra o cancro era necessário, primeiro, aprender a fabricar células cancerosas. Construir para destruir segundo a base da concepção da doença. Obtiveram resultados, conseguiram um material com que produziram não apenas leucemias mas outros tumores, localizados sobretudo nas glândulas salivares e, ainda com mais frequência, nas paróditas dos animais que serviam de cobaias, embora as cobaias autênticas cada vez fossem menos utilizadas para as funções cujo nome foi acoplado.
Algo estava, agora, a ocupar quase na totalidade as mentes dos investigadores: o uso da quimioterapia para combater a tremenda doença que viera para ficar. Agora, sessenta e dois anos passados, parece não restarem muitas dúvidas sobre a utilização do método, dependendo das circunstâncias do paciente. Mas elas eram prementes, então. Encontrar uma droga que não destruísse as células alteradas sãs que estavam contíguas às células cancerígenas era uma miragem que punha muita gente a sonhar. E sonhavam alto porque eram cada vez mais os médicos a serem entrevistados pelos meios de comunicação, colocando as pessoas em geral a debater a matéria, por maior que fosse a angústia que esta provocava.
Mostarda Um grupo de cientistas norte-americanos insistia na utilização de mostrada nitrogenada, a mesma que fora utilizada na I Grande Guerra para o bárbaro serviço do gaseamento inimigo. A sua acção, afirmavam, era bem diferente sobre as células cancerosas e as células normais, podendo contribuir para a destruição mais efectiva das primeiras. Apresentava-se, em movimentos opostos, a contrariedade de se tratar, de facto, de um veneno, e por isso estar sujeito a limitações de utilização. Outra teoria, avançava contra a mostarda indicando que as células infectadas ganhavam uma muito rápida habituação a ela, pelo que os tratamentos feitos nessa base acabavam por ser muito curtos em duração.
Flagelo. Flagelo que, como todos eles, e já temos vivido muitos desde 1960 até hoje, se agravava pela ignorância. É sempre a ignorância a maior alimentadora dos medos.
Apesar de todas as pesquisas entretanto realizadas, o facto é que não havia doentes que tivessem demonstrado reacções de abrandamento das infecções, embora alguns tenha passado por estados estacionários. Ou seja, a cura estava muito para lá da imaginação sequer, talvez presa numa cadeia de esperanças que nos soprava ao ouvido que os avanços da medicina continuavam a ser absolutamente extraordinários.
As culturas iam continuando. Os homens da ciência não perdiam a crença de conseguirem encontrar uma vacina que destruísse por completo os vírus que vinham sendo, pacientemente, cultivados em tecidos de macaco, por exemplo, ou de outros animais injectados, sobretudo murganhos. Havia, igualmente, o factor tempo a considerar: um desespero para encontrar os sintomas antes que o vírus contaminasse as células. A prevenção do cancro. Mas, se sabiam todos tão pouco sobre ele… Como prevenir uma maldição de tal calibre? Como observar uma célula e perceber, nela, uma tendência particular para ser infectada que a distinguisse das outras, que iriam continuar sãs? Questões que se multiplicavam sem respostas objectivas.
Uma luta sem quartel e sem fim à vista. O Flagelo do Século continua ainda a sê-lo, na verdade, a despeito de todos os males que têm surgido à superfície da Terra, este planeta afinal tão frágil como os seus habitantes…