Quando surgiu em cena, Lula da Silva era considerado um herói do povo brasileiro mais oprimido, um homem que conseguiu ultrapassar a pobreza e tornar-se o Presidente que ia ajudar a reduzir a taxa de criminalidade do país e fazer a economia crescer. E assim foi no seu primeiro mandato. Durante o seu segundo mandato, os problemas do seu partido com a Justiça começaram a avolumar-se e foi então a vez de Lula dar o lugar a Dilma Rousseff, até porque não podia concorrer a um terceiro mandato, depois dos problemas com a Justiça o terem começado a envolver no maior caso de corrupção do país, a Operação Lava Jato, tendo acabado anos mais tarde por ser preso. Acusado de corrupção e lavagem de dinheiro esteve detido entre 7 de abril de 2018 e 8 de novembro de 2019, um dia depois de o Supremo Tribunal Federal ter decidido, por seis votos contra cinco, que um condenado só pode ser preso após trânsito em julgado – no Brasil, até então, os condenados em segunda instância cumpriam pena de prisão efetiva, enquanto continuavam a recorrer. O caso fez correr muita tinta e o juiz responsável pelo caso, Sergio Moro, acabou acusado de ter usurpado das suas competências, já que investigou e condenou.
Quando saiu do estabelecimento prisional onde estava detido, Lula avisou que não queria vingança, apesar de se ter atirado à Operação Lava Jato, mas prometeu muito amor para o futuro. «Saio daqui sem ódio. Aos 74 anos o meu coração só tem espaço para amor porque é o amor que vai vencer neste país», disse então. Parece que agora está a chegar mesmo o amor, já que se vai casar e concorrer à presidência brasileira.
Mas, antes, quando Lula da Silva saiu da presidência, alguns anos antes de ser preso, o ‘Lulismo’ em Brasília continuou então com a presidência da sua amiga Dilma Rousseff, que ocupou o Palácio do Planalto de 2011 a 2016, altura em que foi destituída por impeachment.
Agora, seis anos depois, o ‘Lulismo’ está mais próximo de voltar à presidência do Brasil, tendo Lula da Silva merecido até a capa da Time, numa entrevista onde Bolsonaro é apontado como candidato da extrema-direita – que o é – e Lula é apontado como o candidato da esquerda…
A entrevista, publicada a 4 de maio, começa assim: «Lula, que lançará oficialmente sua pré-candidatura no dia 7 de maio, promete levar o Brasil de volta aos bons tempos da sua Presidência (2003-2010), que ele encerrou com taxa de aprovação de 83%. Isso implicaria reavivar uma economia debilitada, salvar uma democracia ameaçada e recuperar uma nação marcada pela segunda maior taxa mundial de mortalidade ligada à Covid-19 e por dois anos de gestão caótica da pandemia. Até o momento, as promessas estão surtindo efeito: Lula aparece nas pesquisas com 45% das intenções de voto, contra 31% de Bolsonaro. Porém, esta diferença está diminuindo».
De onde vem Lula
Antes de ser o Lula que prometeu elevar a classe operária do Brasil, Luiz Inácio da Silva fazia parte de uma família numerosa e muito pobre e não tinha relógios de vários milhares de euros. Quando nasceu, da Silva era o sétimo filho de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, um casal de agricultores sem estudos (que ainda tiveram uma oitava criança) que vivia numa das zonas mais pobres de Pernambuco, onde sofriam com a miséria da zona e passavam fome.
Poucos dias antes da sua mãe dar à luz o sétimo filho, o pai decidiu abandonar a família para trabalhar como estivador em Santos, formando uma segunda família nesta zona com Valdomira Ferreira de Góis, uma prima de Eurídice, com quem teve dez filhos.
Anos mais tarde, quando da Silva tinha sete anos, a sua mãe decidiu mudar-se para São Paulo para encontrar o marido, e, depois de uma viagem de treze dias, com a mulher e os oito filhos a serem transportados numa carrinha de caixa aberta, reencontraram-se e as duas famílias acabaram por viver juntas durante alguns tempos.
Durante este período, o futuro Presidente acabaria por se alfabetizar, apesar da insistência do pai de que este deveria era estar em casa a trabalhar, e viria a abandonar a escola depois do segundo ano para ajudar a sustentar a família.
Aos 12 anos, trabalhava como engraxador de sapatos e vendedor de rua e mais tarde ocupou trabalhos mais pesados como metalúrgico, altura em que ganhou a alcunha de Lula.
Um episódio marcante na formação de Lula foi aos 19 anos, quando trabalhava numa fábrica de automóveis e perdeu o dedo mindinho da mão esquerda durante um acidente de trabalho. Obrigado a visitar diversos hospitais até finalmente conseguir receber tratamento, decidiu então entrar para o sindicato de trabalhadores, chegando ao cargo de presidente em 1975.
Foi nesta posição que ganhou reconhecimento nacional pelo movimento que lançou contra o regime militar com o intuito de aumentar o salário dos trabalhadores, uma campanha marcada por várias greves e que culminou na sua prisão, acusado de violar a Lei de Segurança Nacional. A aura de herói começava a construir-se,
Em 1980, juntamente com sindicalistas, intelectuais, representantes dos movimentos sociais e católicos militantes da Teologia da Libertação, Lula acabaria por formar o Partido dos Trabalhadores, tornando-se o seu primeiro presidente.
Lula candidatou-se às eleições presidenciais por três vezes, sem sucesso, conseguindo chegar ao cargo na sua quarta campanha, em 2002, derrotando José Serra, candidato apoiado pelo governo, mantendo-se no poder entre 2003 e 2010.
Durante o seu mandato, Lula procurou melhorar a economia através de reformas sociais e acabar com a corrupção do governo – que foi o que se viu – conseguindo diminuir a taxa de pobreza do Brasil.
Quando chegou a hora de defender a sua reeleição, o então Presidente não conseguiu obter os votos suficientes para vencer na primeira volta, mas acabou por vencer facilmente o seu adversário, Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira, na ‘ronda’ seguinte.
O segundo mandato de Lula foi um sucesso e valeu uma grande prosperidade económica ao Brasil, algo que o povo pretendia manter. Impedido de se candidatar a um terceiro mandato, o ex-Presidente escolheu a sua chefe de gabinete, Dilma Rousseff, como a sua sucessora, que acabou por se tornar na primeira mulher Presidente deste país, em 2011.
Mas a prosperidade da dinastia de Lula estaria a caminho de uma queda brutal.
Da prisão a nova candidatura presidencial
Durante o segundo mandato de Dilma, eclodiu a Operação Lava Jato, uma extensa investigação criminal no Brasil que descobriu casos de corrupção na estatal petrolífera Petrobras e outros órgãos públicos do país que envolveu várias empresas de construção e políticos brasileiros, nomeadamente Lula, que foi condenado pelo então juiz federal Sergio Moro, a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
A prisão de Lula viria a durar cerca de 580 dias, tendo sido libertado no dia 8 de novembro de 2019, um dia após o Supremo Tribunal Federal ter considerado a prisão em segunda instância inconstitucional, determinando que o ex-juiz Moro não tinha competência para investigar e julgar os casos.
Ilibado destas acusações e com uma «inesperada reabilitação política», tal como escreve o Guardian, o ex-Presidente pode voltar a candidatar-se para as eleições brasileiras, que irão decorrer este ano, cuja primeira volta está agendada para o dia 2 de outubro.
«Existe um jogador de futebol americano e que é o melhor jogador do mundo há muito tempo. A cada jogo que ele faz, os adeptos esperam que ele jogue melhor do que no jogo anterior. No caso da Presidência é a mesma coisa», explicou Lula, na entrevista à revista Time. «Só faz sentido eu ser candidato à Presidência da República porque eu acredito que sou capaz de fazer mais e melhor do que eu já fiz», disse.
«Tenho a certeza de que posso resolver os problemas [do Brasil]. Eu tenho a certeza de que esses problemas só serão resolvidos quando os pobres estiverem participando da economia, quando os pobres estiverem participando do orçamento, quando os pobres estiverem trabalhando, quando os pobres estiverem comendo», disse, acrescentando: «Isto só é possível se existir um governo que tenha compromisso com as pessoas mais pobres». Lula da Silva terá agora que não perder a vantagem que vai diminuindo para Bolsonaro – a escolha do seu vice-presidente foi desastrosa – se quiser regressar a sentar-se no Palácio do Planalto (ver caixa).