É lugar comum dizer que o maior ativo de qualquer empresa são as suas pessoas. Não sendo sempre verdade, aceita-se bem esta generalização nos países mais dependentes do setor terciário, como é o caso de Portugal. Noutros, a máxima da importância das pessoas é uma das frases bonitas no discurso do chefe na festa de Natal, mas o pânico de uma máquina avariada é muito maior do que o incómodo de um colaborador doente. No setor do marketing, a máxima da importância das pessoas sobre tudo o resto sempre se aplicou sem grandes anticorpos. Enquanto atividade relacional, na qual a criatividade desempenha um papel central, o ser humano leva vantagem.
As empresas que desenvolvem atividades de marketing, das agências aos departamentos de marketing das organizações, nunca tiveram dificultada de atração de talento. A conjugação de interesse pela área e de espaço para perfis de diferentes áreas de conhecimento facilitava o processo. Hoje não é assim, e um dos maiores desafios que o setor enfrenta é a falta de recursos com os conhecimentos técnicos necessários para muitas funções.
Há três fatores que ajudam a entender este fenómeno. Em primeiro lugar, a área de marketing necessita de pessoas com competências que, até há bem pouco tempo, não tinham enquadramento nas suas estruturas. Analistas, programadores ou engenheiros de dados são fundamentais para o sucesso das operações de marketing digital conseguirem utilizar e rentabilizar a informação, dados, a que têm acesso. O marketing ainda não é um caminho óbvio para estes profissionais.
A demanda por engenheiros e programadores não é um exclusivo do marketing, pois quase todos os setores evoluíram no sentido de uma maior sofisticação tecnológica e integração de múltiplas fontes de conhecimento. Os dados são a matéria prima de muitos serviços e a competitividade das empresas está cada vez mais alavancada na capacidade de entender os vários contextos em que atua. Os perfis que o marketing hoje precisa são comuns a outras atividades e setores, porventura mais competitivos e aliciantes.
Segundo alguns modelos de marketing digital, quando a conversão baixa umas das causas é a falta de pessoas a iniciarem o processo, o upper funnel. Se há mais procura, então abrem-se mais cursos e alternativas formativas. Tem vindo a acontecer, mas não resolve o problema. A procura por profissionais é um desafio à escala global. A afirmação do sucesso de modelos de trabalho remoto, que quebram a barreira da proximidade geográfica, coloca as empresas portuguesas a competirem com as de outros países pelos mesmos recursos, à partida oferecendo salários significativamente inferiores. E sem o acréscimo do custo de vida que acontece na maioria dos casos de emigração. Uma nova regra de mercado que, ao que tudo indica, está para ficar.
Não há soluções fáceis nem imediatas para o desafio da atração de talento. A grande vantagem do nosso mercado de trabalho nunca será o dinheiro, o que movimentamos, o que investimos ou o que pagamos. O que traz e retém profissionais altamente valorizados para Portugal são argumentos que quase todas as empresas portuguesas podem usar: sol, mar, gastronomia, saúde, segurança e um work life balance inigualável. E os portugueses. A nossa diferenciação está no conjunto de vantagens da experiência de trabalhar mas sobretudo de viver em Portugal, algo a que as gerações mais novas, dotadas das competências mais procuradas, são particularmente sensíveis. Certamente, há mais interesse num anúncio que oferece a perspetiva de viver num dos melhores países do mundo do que aquele em que se promete um desafio aliciante. Não é suposto serem todos?
Senior Manager da Accenture Song