Já passaram muitos anos, mas lembro-me perfeitamente de uma rábula do nosso saudoso Camilo de Oliveira que, numa revista do teatro ABC, representava um velho que vendia bonecos na rua.
Já nessa altura esse pobre homem sentia as dificuldades da vida por não conseguir vender a mercadoria, visto as crianças procurarem outro tipo de brinquedos. E o vendedor indignava-se contra essa realidade, pois os brinquedos que tinham saída não eram propriamente bonecos infantis – antes faziam lembrar armas e objetos de destruição.
O refrão da cantiga final era bem elucidativo e não deixava dúvidas a ninguém da mensagem que se pretendia transmitir: «Ó meu irmão, onde quer que andes/Hás-de chegar à conclusão bem natural/Que os homens são crianças grandes/E há brinquedos que lhes fazem muito mal».
Tudo isto vem a propósito dos recentes acontecimentos relacionados com a guerra na Ucrânia e que vão chegando até nós diariamente através dos noticiários e telejornais. Na verdade, o comportamento dos homens tem sido mais de crianças grandes, imaturas e irresponsáveis, do que de adultos conscientes e esclarecidos. E o pior é que estas ‘crianças grandes’ servem-se dos tais ‘brinquedos de destruição’ para espalhar pelo mundo uma onda de terror, de pânico e de sofrimento, como só julgávamos possível em histórias de banda desenhada.
Infelizmente não é imaginação, é a pura da verdade. De um lado, o ataque com armas poderosas, tentando impor pela força a sua lei; do outro, a legítima defesa (possível), que tem passado pela solidariedade de outros povos, para conter o invasor.
Mas não ficamos por aqui. Já há quem ameace com armas nucleares para não ficar pedra sobre pedra. Afinal que querem os homens fazer? Destruir o mundo e destruírem-se a si próprios? Então, depois de termos estado unidos enfrentando uma pandemia à escala mundial, o que temos agora para exibir são os ‘brinquedos’ sofisticados que matam e aniquilam povos e nações? É isto que nós queremos? Já esquecemos as guerras mundiais que a História nos mostrou? Será que temos vontade de fazer novas experiências? Recordo as palavras de Paulo VI em Fátima, quando nos visitou: «Homens, sede Homens».
Um pouco por tudo isto, a rábula teatral faz aqui todo o sentido. Os homens são cada vez mais crianças grandes e não restam quaisquer dúvidas de que os ‘brinquedos’ que utilizam lhes têm feito muito mal.
Depois há que ter em atenção outro problema, a meu ver muito importante, e que diz respeito à informação. Uma coisa é o dever de informar, outra é fazer futurologia, especular e entrar no campo das suposições. A primeira é essencial e não sofre contestação. Não há ninguém que não queira estar informado e seguir a par e passo todos os desenvolvimentos das últimas horas. Presto aqui a minha homenagem a todos os jornalistas que em pleno teatro de operações arriscam a vida para fazerem chegar até nós a informação pormenorizada do que vai acontecendo. Tenho muita admiração por estes profissionais e não me canso de os enaltecer.
Porém, entre nós, nos estúdios e redações, por vezes, vai-se além do essencial e passa-se para o campo das previsões, isto é, daquilo que ninguém sabe, nem é possível adivinhar. De quando em quando, há mesmo quem arrisque quantificar os efeitos devastadores que uma arma nuclear pode provocar, aparecendo no pequeno ecrã o número de vítimas e as consequências para o organismo humano, caso um desses engenhos rebentasse no centro da Europa e os danos colaterais dessa explosão atingissem Portugal e, concretamente, Lisboa.
Os resultados não se fizeram esperar. No dia seguinte a essa infeliz previsão, não faltaram doentes nas consultas em pânico, procurando saber como proceder numa situação dessas e, ainda, se alguns dos sintomas que já apresentavam estariam ou não relacionados com os efeitos da guerra!
Aqui fica, portanto, a minha recomendação: o dever de informar tem que respeitar a prudência e o bom senso. Informar sim, criar pânico nunca.
E mais não podemos fazer. Estarmos unidos, sermos solidários e esperar por melhores dias. Quanto aos brinquedos para crianças, acabemos de vez com aqueles que lhes podem ser prejudiciais. As crianças de hoje vão ser os adultos de amanhã. Temos obrigação de proteger as nossas crianças e de lhes proporcionar uma infância saudável e em paz. Devemos demonstrar-lhes que é com paz que se constrói uma sociedade — e que o mundo deve girar à volta de valores como a solidariedade, a justiça, a tolerância e o respeito pelos outros, onde a guerra nunca pode ter lugar.
Sejamos portadores desta mensagem. Deus nos ajude a espalhá-la, pois assim estaremos a construir um mundo novo de que tanto necessitamos.