Um dia destes, a mãe de um menino contava que o filho andava no futebol e que adorava, mas do judo é que não podia mesmo desistir, para se saber defender. O filho tem uma malformação congénita impossível de disfarçar.
– É que, já se sabe, todos os meninos gozam e vão gozar cada vez mais. Comigo foi igual.
A frontalidade da mãe e a forma como encarava o destino do filho como inevitável deixaram-me extremamente triste. E o que dizer? Ela tinha razão. E sabia-o melhor do que ninguém. Tinha vivido isso na pele. Aquela calma e pragmatismo eram tão certos como desconcertantes.
Infelizmente, sobretudo durante uma fase importante do crescimento, a diferença raramente é bem aceite.
No pré-escolar, geralmente as crianças não fazem muita diferenciação, reparam de forma autêntica e natural nas diferenças, mas não excluem ninguém. Mas à medida que vão crescendo e que se vão afirmando, muitas vezes usam aqueles que são diferentes para reforçarem a identidade do grupo ou o poder individual e acabam por pôr de parte ou mesmo maltratar quem sai da norma, que acaba muitas vezes por ficar sozinho. À medida que vão crescendo, os colegas podem mesmo ser mauzinhos e cruéis, apontando, gozando e humilhando quem é diferente. Outras vezes chegam a aproveitar-se da sua ingenuidade e desejo de aceitação para obter alguma coisa.
Se é extremamente cruel imaginar ou assistir a esta realidade, o que será vivê-la diariamente, muitas vezes sem ninguém a quem dar a mão, sem alguém que o aceita com amor e amizade como tanto merece e precisa? Como se tivesse de transportar uma cruz. Às vezes são características inatas, complicadas, alheias à vontade ou estilo de vida de quem as transporta, em relação às quais não se consegue alterar nada, mesmo que se deseje muito. Não basta a tristeza de não poder ser como se idealiza, a impotência, o confronto diário com uma realidade tão difícil, tão injusta e para a qual não se encontra explicação – ainda se é vítima da maldade dos outros, como se incomodasse alguém por ser diferente.
Acontece com frequência estas crianças criarem barreiras para se defenderem. Isolam-se, calam-se, passam a falsa mensagem de que não precisam de ninguém, de que estão bem sozinhas ou revoltam-se tanto que se tornam agressivas, dando razões aos outros para se afastarem. É preciso alguma sensibilidade para saber ler a tristeza e o desamparo nos diversos comportamentos e felizmente todos estamos cada vez mais atentos a estes aspetos. Mas ainda assim não chega.
Temos de estar atentos a ambos os lados, a quem se sente sozinho e diferente, mas também a quem muitas vezes usa os mais frágeis para expiar as suas próprias inseguranças e fragilidades. Temos de ver todos como um grupo e cada um como um todo, com as suas particularidades e características, aceitando e valorizando as diferenças, em todas as suas vertentes, enaltecendo sempre o melhor. É um trabalho que deve ser feito de forma aberta e constante, não apontando o dedo nem iniciando mais guerras, mas abrindo mentalidades, entendendo e pensando os sentimentos, motivações e emoções, trabalhando valores como o respeito e a empatia. Desde pequenos, em casa, na escola e nas diferentes atividades.
Felizmente no final da adolescência as barreiras diluem-se e as diferenças são mais bem aceites. Muitas vezes até valorizadas. Mas até lá há um longo e difícil caminho a percorrer, que não podemos deixar que seja feito sozinho.