O julgamento por difamação que opõe Johnny Depp e Amber Heard num polémico caso de acusações de parte a parte de abuso físico e emocional tem captado a atenção internacional. Mas no centro deste julgamento mediático tem estado Camille Vasquez, a advogada do ator norte-americano da saga Piratas das Caraíbas.
Com um estilo implacável e assertivo, a advogada de apenas 37 anos tem conquistado uma legião de fãs nas redes sociais. Só no TikTok – plataforma que tem sido inundada com pequenos vídeos do julgamento –, a hashtag #camillevasquez reúne mais de 980 milhões de resultados, com os vídeos do seu desempenho em tribunal a atingirem milhões de visualizações. Também as suas escolhas de indumentária não têm passado despercebidas ao público, desde que apareceu vestida com um fato branco em vários depoimentos, fazendo lembrar as premeditadas escolhas de Hilary Clinton durante a campanha para as presidenciais norte-americanas de 2016 contra Donald Trump.
No início deste confronto jurídico, quando Amber Heard subiu ao banco de testemunhas para ser questionada pela sua advogada, era esperado um caminho fácil para a atriz. Mas Vasquez teimava em interromper incessantemente as questões de Elaine Bredehoft.
“Objeção”, ouvia-se repetidamente da mesa da equipa de advogados de Johnny Depp. Num dos momentos mais embaraçosos para a advogada de Heard, registaram-se mais de 40 objeções no espaço de 20 minutos, a que na maioria a juíza dava razão ao lado de Depp e obrigava a que Bredehoft repensasse as suas questões.
Depois desse show off, Vasquez passou a ponta de lança da equipa legal do ator, substituindo o advogado Ben Chew. A advogada, que tem praticamente a mesma idade de Amber Heard, revelaria ser uma escolha mais apropriada para levar a cabo o contra-interrogatório à estrela de Aquaman.
revelações chocantes Nesta última fase do julgamento, Vasquez tem atacado a credibilidade de Heard, recuperando o emotivo testemunho da atriz sobre uma alegada violação, da qual diz ter saído ferida, para lhe perguntar se tinha procurado cuidados médicos ou tirado alguma fotografia. Algo que Heard negou ter feito por não querer dizer a ninguém nada sobre esse episódio. A advogada de Depp tem questionado todos os episódios em que Heard afirmou ter sido agredida, colocando, aliás, em causa a autenticidade das fotografias que a equipa legal de Heard divulgou para comprovar as agressões.
Em cima da mesa colocou ainda outra questão: o dinheiro. Afinal, este caso vale milhões para qualquer dos lados. Em 2016, a atriz tinha garantido que ia doar o montante do seu acordo de divórcio de sete milhões de dólares (6,7 milhões de euros). Promessa que não tinha sido capaz de cumprir por “estar a ser processada” pelo ex-marido.
Johnny Depp está a processar Amber Heard por difamação, depois da publicação de um artigo no The Washington Post em que a atriz se identificou como uma sobrevivente de violência doméstica. O ator exige uma compensação de 50 milhões de dólares (48 milhões de euros), alegando ter perdido trabalhos – incluindo os papéis de Jack Sparrow em Piratas das Caraíbas e do vilão Grindelwald em Monstros Fantásticos (um spin-off da saga Harry Potter) – por causa da acusação, que descreve como falsa. Por seu lado, Amber Heard contra-atacou com um processo de difamação de 100 milhões de dólares (96 milhões de dólares), argumentando que Depp a difamou ao chamar-lhe mentirosa.
Desde o início do julgamento, os jurados no caso escutaram gravações explícitas das discussões entre Amber Heard e Johnny Depp, que estiveram juntos cerca de seis anos (e casados pouco mais de um ano), e ouviram os atores a testemunharem sobre episódios chocantes que incluíram um dedo cortado, fezes numa cama, pontapés, puxões de cabelos, murros e uma agressão sexual com uma garrafa.
Grande promessa da advocacia americana Mas o desempenho de Vasquez tem conseguido atenuar o impacto do testemunho de Heard, desviando o foco de algumas das evidências físicas contra Depp, incluindo mensagens de texto em que o ator exprimiu o desejo de ver a ex-mulher morta – e até de a matar –, bem como sérias alegações de abuso e agressão feitas sob juramento.
Do quase anonimato, lidando até aqui sobretudo com casos de litígio em grandes empresas, a advogada de Depp em apenas duas semanas foi catapultada para o estrelato.
Nascida em 1984, em São Francisco, filha de pais cubanos e colombianos, acabaria por se formar formar em Direito pela Universidade do Sul da Califórnia, em 2006, e doutorar-se pela Southwestern Law School, em 2010.
Em 2018, tornou-se associada da Brown Rudnick LLP, uma conhecida sociedade de advogados, onde cimentou a sua experiência a lidar com casos polémicos de difamação.
Enquanto especialista em “casos de grande destaque público de acusações de conduta criminal”, acabaria por ser a escolhida pela firma para comandar o caso de Depp contra Heard que, até ver, será provavelmente o julgamento do século, esmiuçado pelo público como se de uma novela se tratasse, em parte devido a estar a ser transmitido em direto através das redes sociais.
Na página da Brown Rudnick, é ainda destacada a sua perícia na “gestão da reputação e de crises de comunicação” que possam surgir deste tipo de acusações. Além de também falar espanhol, Vasquez foi eleita como uma das grandes promessas da sua área pelos prémios Best Lawyers in America, que dão destaque aos melhores advogados do país.
Romance ou rumor? Naturalmente, a ascensão mediática de Camille Vasquez levantou também os inevitáveis rumores de que a advogada manteria uma relação íntima e secreta com Depp. A especulação foi alimentada em torno dos sucessivos toques, abraços e momentos mais próximos entre os dois, tendo estas interações levado a que centenas de fãs publicassem vídeos em plataformas como o Youtube e o TikTok, a pintar uma narrativa romântica com excertos desses momentos.
Os rumores não foram comentados oficialmente por nenhuma das partes, mas a imprensa norte-americana tem avançado mais detalhes sobre a vida privada de Vasquez, com base em declarações de fontes próximas. “As nossas fontes dizem-nos que Camille está feliz e comprometida. Namora com um homem britânico, que trabalha no setor imobiliário, com quem já mantém uma relação há vários meses”, escreve o TMZ.
O mais provável é que os momentos em que os dois aparecem abraçados ou de mãos dadas – tal como têm especulado vários especialistas em linguagem corporal – sejam uma estratégia da defesa para humanizar Depp perante o júri em tribunal.
o trunfo kate moss A equipa jurídica de Johnny Depp tem construído o caso em torno da tese de Amber Heard ser o elemento violento da relação. Para tal, colocou o ator no banco das testemunhas a afirmar “jamais bati numa mulher na minha vida”, a relatar episódios de violência que sofreu, tendo-se apoiado nos testemunhos de funcionários que ouviram discussões entre o casal e gravações em que a atriz admite ter batido em Depp.
Apesar de ter conquistado alguma da simpatia do júri, tendo arrancado até alguns sorrisos, Depp tem de provar que as alegações de Heard são falsas. Mesmo que consiga demonstrar que a ex-mulher foi violenta, isso não prova que “jamais” bateu numa mulher. E basta a dúvida do júri para deitar por terra todo o caso.
Com as alegações finais marcadas para esta sexta-feira, dia 27, é expectável que a equipa de Depp chame novas testemunhas a tribunal para refutar o caso apresentado pela atriz, entre os quais estará o da supermodelo Kate Moss, que deverá depor esta quarta-feira. A decisão de chamar Kate Moss, com quem o ator teve um relacionamento nos anos 90, surgiu depois de Amber Heard se ter referido à ex-namorada de Depp durante o seu testemunho.
Heard recordou um episódio em que Depp terá sido violento com a irmã da atriz. Numa descrição de uma discussão entre os dois, a atriz mencionou Moss, que namorou com Depp de 1994 a 1997, acusando o ex-marido de ter empurrado a supermodelo por um lanço de escadas quando os dois era um casal. Contudo, na altura, nenhum dos dois confirmou o boato e consta que o par manteve uma boa relação, mesmo depois de se terem separado.
O testemho em que Amber Heard se referiu a esse suposto incidente do passado protagonizou um dos momentos mais caricatos deste julgamento. Nas redes sociais proliferaram vídeos do advogado de Johnny Depp, Ben Chew, a reagir com um sorriso vitorioso. Já Depp, sem levantar os olhos, abanou a cabeça, também de sorriso na cara. A satisfação de ambos tem uma razão: ao trazer o nome de Kate Moss para o seu testemunho, a atriz abriu a porta para que a ex-modelo seja chamada a depor, o que poderá resultar a favor do ator.
Nos últimos anos, várias ex-companheiras de Depp têm saído em sua defesa.
Numa entrevista à Time, em 2016, a atriz Winona Ryder afirmou que a simples ideia de que Depp teria sido violento com Heard era “inimaginável”. “Só posso falar da minha experiência, que foi muito diferente do que está a ser dito”, disse à época. “Ele nunca, nunca foi assim comigo. Nunca foi abusivo comigo. Só o conheço como um homem muito bom, amoroso e atencioso, que é muito, muito protetor com as pessoas que ama.”
Também em 2020 a modelo francesa Vanessa Paradis, com quem o ator manteve um relacionamento de 14 anos, negou alguma vez ter sido agredida por Depp. “Conheço o Johnny há 25 anos. Criámos os nossos dois filhos juntos. Ao longo de todos esses anos, sempre foi uma pessoa e um pai gentil, atencioso, generoso e não violento. Pela minha experiência pessoal de muitos anos, posso dizer que ele nunca foi violento ou abusivo comigo”, contou.
Testemunhas desacreditam Depp
Na última semana do julgamento, as testemunhas de Amber Heard continuam a corroborar a versão de que Johnny Depp é violento e declaram que a atriz perdeu milhões por causa deste caso.
Chamado a depor, o cirurgião ortopédico Richard Moore, de Wilmington, Carolina do Norte, considerou que a lesão no dedo de Depp é consistente com um esmagamento. Já o ator tinha alegado que Heard lhe teria acertado com uma garrafa de vodka decepando-lhe a ponta do dedo médio da mão direita.
O médico disse ter revisto várias provas neste caso, incluindo o depoimento de Depp sobre os seus ferimentos, registos médicos, fotografias e radiografias.
Primeiro, Moore terá dito que se sentia confiante em excluir “a lesão causada pelo mecanismo descrito no testemunho do sr. Depp”, ou seja a garrafa de vodka. Depois, pressionado pela advogada Camille Vasquez, o clínico viria a mudar o discurso: “Não posso excluir que uma garrafa de vodka tenha causado o ferimento”. Mas insistiu: “Posso excluir que tenha sido causado da forma descrita no testemunho [de Johnny Depp]”.
Foi também ouvida a opinião do psiquiatra David Spiegel, apresentado pelos advogados de Amber Heard como uma testemunha técnica. Spiegel, um especialista em vícios e em casos de violência doméstica, atestou que Johnny Depp “tem comportamentos consistentes com alguém que tem reações relacionadas com o abuso de substâncias, bem como com alguém que é um agressor doméstico”. Segundo Spiegel, o consumo excessivo de álcool e cocaína podem ter afetado a capacidade de atenção e memória de Depp.
Por sua vez, a equipa legal de Depp questionou a ética e a credibilidade do depoimento do psiquiatra, uma vez que nunca realizou um exame ao ator. O médico justificou-se, alegando ter tentado uma avaliação, ao qual o artista se recusou.
Subiu ainda ao banco das testemunhas, para depor a favor de Heard a consultora da indústria do entretenimento Kathryn Arnold, que declarou que a atriz só manteve o seu papel em Aquaman 2 porque o ator Jason Momoa, com quem Heard contracena, foi inflexível. Ainda assim, explicou a também ex-produtora de Hollywood, que as cenas da atriz no filme da DC Comics foram “radicalmente reduzidas” após as acusações formalizadas por Johnny Depp.
De acordo com a especialista, devido a este caso, a receção de Amber Heard tem sido “muito negativa” entre o público, e em Hollywood, isso tem prejudicado as propostas de trabalho na indústria do entretenimento. Kathryn Arnold sublinhou que a atriz já terá perdido entre 45 e 50 milhões de dólares (42,1 a 46,8 milhões de euros), depois de Depp ter acusado Heard de difamação e de mentir sob juramento.