Sem dar grandes explicações, apesar de ser amplamente visto como corrupto entre os espanhóis, Juan Carlos voltou ao seu país para uma regata, vindo de um exílio de dois anos em Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos, junto dos seus grandes amigos, os monarcas do Golfo.
Até o seu filho, Filipe VI, parece algo incomodado, tendo feito questão de exigir que o rei emérito não pernoitasse no Palácio de Zarzuela, residência oficial do chefe de Estado, avançou a imprensa espanhola. A tranquilidade de Juan Carlos, apesar da sua crescente impopularidade, é digna de que quem nasceu num berço dourado, entre privilégio e impunidade, salientam os críticos da monarquia.
O rei emérito chegou a Espanha num jato privado, um luxuoso Gulfstream G-450, propriedade de uma empresa angolana. Passou primeiro pela Galiza, onde esteve na regata no porto de Sanxenxo, onde foi recebido com protestos organizados pelos independentistas do Bloco Nacionalista Galego (BNG), que fizeram questão de deixar claro que se tratava de um «ato simbólico para mostrar que o Bourbon fugido não é bem-vindo», nas palavras do deputado Néstor Rego.
Entre os cânticos de «Bourbons, uns ladrões», Juan Carlos ainda brincou, dizendo aos jornalistas que a sua visita estava a ser «muito boa», avançou o El País. Recusando, no entanto, em responder a quaisquer questões relativas às suas finanças, como sobre quem estava a pagar pela sua gaiola dourada nos Emirados Árabes Unidos, se seriam os mesmos monarcas sauditas que são acusados de transferir uns 100 milhões de euros para uma conta sua, suspeitando-se que se tratasse de um suborno, parte de um escândalo de facilitação de aquisição de contratos públicos por uma empreiteira espanhola. Juan Carlos ignorou a polémica, deleitando-se na ria de Pontevedra com um navio à vela batizado de Bribón III, cujo nome – de forma desavergonhada, diriam os críticos da monarquia – significa algo como o ‘patife’, ‘vigarista’ ou ‘canalha’, em espanhol.
Chegado a Madrid, esta segunda-feira, o rei emérito passou umas meras 11 horas no palácio onde viveu 57 anos. Fê-lo «mantendo um tempo amplo de conversa sobre questões familiares, assim como sobre acontecimentos específicos e as suas consequências para a sociedade espanhola», teve de justificar a coroa espanhola, em comunicado de imprensa.
Filipe VI parece consciente do risco que o seu pai – em tempos o salvador da monarquia, conseguindo tornar a figura do rei como o garante da constituição espanhola pós-franquismo – hoje cria a essa mesma instituição.
Se em tempos o apoio à coroa foi praticamente consensual, fora da esquerda mais radical – até o Partido Comunista de Espanha (PCE), que seria integrado na Esquerda Unida e depois no Unidas Podemos, reconheceu Juan Carlos como chefe de Estado, desde os tempos Santiago Carrillo – e dos independentistas, hoje a história é bem diferente, com uma mudança geracional e os sucessivos escândalos envolvendo a família real – aliás, de visita a Pontevedra, o rei aproveitou para ver uma partida de Pablo Urdangarín, seu neto, que joga andebol no Barcelona B, á semelhança do pai, Iñaki Urdangarin, que cumpre pena de prisão em regime semi-aberto, após ser condenado por corrupção.
«A polémica do regresso do rei emérito evidencia a polarização da sociedade com respeito à instituição da monarquia», notou Javier Carbonell, investigador de ciências políticas na Universidade de Edinburgo, num artigo de opinião no El País. «Pode a coroa sobreviver perante a perda de transversalidade?», questionou.