Ao fim de seis semanas de um julgamento com alegações perturbadoras, está tudo nas mãos de sete jurados do Tribunal do Condado de Fairfax (Virgínia, EUA), que, após ouvir os argumentos finais na disputa legal que opõe as estrelas de cinema Johnny Depp e Amber Heard na sexta-feira, retomou os trabalhos de deliberação nesta terça-feira à porta fechada.
Até à hora de fecho desta edição, o veredicto ainda não era conhecido, mas eram vários os cenários de desfecho em cima da mesa. Em causa está uma ação por difamação que Johnny Depp interpôs contra a ex-mulher, Amber Heard, após um texto da atriz ter sido publicado no The Washington Post, em 2018, no qual se assumia vítima de violência doméstica.
Depp nega todas as acusações de que é alvo e alega que o artigo prejudicou a sua carreira, procurando uma indemnização de 50 milhões de dólares (48 milhões de euros), com base no valor que terá deixado de faturar ao ser afastado dos papéis de Jack Sparrow em Piratas das Caraíbas e do vilão Grindelwald em Monstros Fantásticos (um spin-off da saga Harry Potter). Em resposta, Amber Heard deu entrada com uma contra-ação no valor de 100 milhões de dólares (96 milhões de euros), alegando que Depp minou a sua reputação em Hollywood, ao acusá-la de mentir sobre as alegações de abuso.
Cabe ao júri decidir se as declarações de Heard no artigo são, efetivamente, sobre o ator – uma vez que a atriz não mencionou o nome do ex-marido -, se as mesmas são falsas e se, sendo, foram escritas com malícia.
Caso Johnny Depp ganhe o caso, Amber Heard poderá ter de pagar as suas despesas legais, além de uma choruda indemnização, ainda que seja improvável que esta atinja os 50 milhões. A própria advogada de Heard, Elaine Bredehoft, fez questão de esclarecer que o montante pedido pela atriz, de 100 milhões de dólares, não passou de uma resposta aos 50 milhões exigidos por Depp, pedindo ao júri que estabeleça um valor justo, tendo por base o bom senso.
Caso Depp perca este processo, poderá ainda apresentar um recurso contra a decisão, embora tal só seja exequível caso surjam novas provas ou testemunhos. Mesmo que vença a ação por difamação, isto não significa que Heard saia de bolsos vazios. O júri pode determinar que a atriz também foi prejudicada nesta situação e, por isso, determinar que também lhe deve ser paga uma indemnização.
Neste processo, nenhuma das partes incorre em pena de prisão, já que se trata apenas de um julgamento civil e não penal. Nos processos de natureza civil, ao contrário do direito penal norte-americano, em que se exige que a culpa seja provada “para além de qualquer dúvida razoável”, o júri tem apenas de decidir qual o lado em que acredita mais e qual apresenta provas e testemunhos mais credíveis.
Para Heard ganhar a contenda, o júri não precisa de acreditar que Depp foi abusivo, mas, apenas que o ator não conseguiu provar que não foi violento uma única vez, já que foi colocado no banco das testemunhas a afirmar “jamais bati numa mulher na minha vida”.
Nas alegações finais, os advogados de Depp pediram aos jurados que “lhe devolvessem a sua vida”, “arruinada” pelas acusações de violência doméstica; os representantes de Heard apelaram que o júri permita que Heard siga em frente com a sua vida e “defenda a liberdade de expressão”, protegida pela Primeira Emenda para pedir que a acusação de difamação caia por terra.
Seja qual for a decisão no tribunal de Fairfax, a contenda legal que deu a conhecer gravações explícitas das discussões entre Amber Heard e Johnny Depp, além dos testemunhos sobre episódios chocantes – que incluíram um dedo cortado, fezes numa cama, pontapés, puxões de cabelos, murros e uma agressão sexual com uma garrafa -, vai ainda ironicamente gerar receitas na indústria do entretenimento. De acordo com a Variety, a Warner Bros Discovery irá produzir um documentário em duas partes analisando esta batalha legal.
Com direito a transmissão em direto através das redes sociais, até ver, este será provavelmente o julgamento do século, esmiuçado pelo público como se de uma novela se tratasse. Mas as vozes que acreditam na versão da atriz não se conseguem sobrepor às dos apoiantes de Johnny Depp – seja à porta do tribunal ou online. Memes baseados em excertos do julgamento e piadas humilhantes sobre Heard vão circulando em plataformas como o TikTok, para que as acusações de Heard pareçam infundadas. Em claro contraste, a hashtag #justiceforjohnnydepp vai acumulando milhões de publicações em manifestação de apoio ao ator, marcando regularmente as tendências do Twitter.
Do lado de Depp, muitas fãs têm justificado “o impacto de falsas acusações no movimento #MeToo” como uma das principais razões para o seu apoio, evidenciando que há muitos homens vítimas de violência doméstica e abusos.
Já do lado de Heard, algumas vozes têm-se pronunciado na imprensa internacional a propósito da imagem de vítima perfeita (aquela que não responde nem reage à violência) na qual a atriz não encaixa, levando a que seja desacreditada publicamente. Vários artigos têm alertado ainda para a imagem de “louca” que têm pintado sobre Heard, após o testemunho de Shannon Curry, uma psicóloga clínica, chamada pela equipa legal de Depp, que diagnosticou a atriz com transtorno de personalidade.