São Jorge e o Dragão

Numa manhã de nevoeiro, São Jorge cavalgou no seu cavalo branco e seguiu o rio até à nascente para encontrar a caverna do dragão, e libertar a princesa raptada. Ao chegar lá, depara-se com uma criatura verde do tamanho de um elefante…

por João Cerqueira

Era uma manhã de nevoeiro, fria e húmida. São Jorge avançava no seu cavalo branco por entre as brumas na direção da montanha. Os habitantes da vila tinham-lhe dito que bastava seguir o rio até à nascente para encontrar a caverna do dragão. Então poderia matar a besta e libertar a princesa raptada. Ao fim de duas horas, chegou ao destino: diante de si, como uma porta para o inferno, uma abertura nas rochas da montanha. São Jorge coloca-se diante da caverna com a lança apontada.

– Sai cá para fora dragão, vou acabar contigo.

Passados alguns segundos, começa a ouvir passos que faziam o chão tremer e, pouco depois, vê sair de dentro da caverna uma criatura verde do tamanho de um elefante. Tinha uma cabeça de serpente com chifres, olhos laranja, uma bocarra tremenda e dois buracos no focinho para respirar. Caminhava sobre quatro patas, tinha asas e uma cauda pontiaguda. Olhou espantada para São Jorge.

– Está maluco? Que mal é que eu te fiz?

São Jorge faz o cavalo avançar e fica a dois metros do dragão.

– Raptaste uma princesa e eu vim salvá-la. Por isso, tenho de te matar. É isso o que os cavaleiros fazem aos dragões.

O Dragão respira fundo.

– Acho que há um mal-entendido. Eu não raptei a princesa, ela veio ter comigo de livre vontade.

São Jorge ri-se.

– Não sabia que os dragões eram mentirosos.

Nesse instante, aparece um vulto à porta da caverna. Era uma jovem mulher loira de olhos azuis, alta e elegante, vestida como uma princesa. Era, obviamente, a princesa. São Jorge fica a olhar especado para ela – nunca tinha visto uma mulher tão bela. A princesa sai da caverna, coloca-se ao lado dragão e começa a fazer-lhe festas na cabeça.

– O dragão diz a verdade. Eu estou aqui porque quero. Posso ir-me embora quando me apetecer.

– Estás a ver – diz o dragão. A nossa espécie, ao contrário da tua, não mente. Nunca viste a Guerra dos Tronos?

São Jorge abre a boca e abana a cabeça.

– Mas, princesa minha, por que motivo fizeste tal coisa?

A princesa compõe o cabelo.

– Porque nunca nenhum homem me tratou com respeito. O meu destino seria casar, tratar da casa, ter filhos e fazer todas as vontades ao meu marido. Uma chatice. Exijo ter os mesmos direitos que um homem e ser livre.

São Jorge torce o nariz.

– Mas isso é absurdo. Como é que uma mulher pode ter os mesmos direitos que um homem? Se tal acontecesse, seria o fim do mundo…

– Um dia, quando já não houver cavaleiros, isso acontecerá – diz a princesa.

São Jorge sorri e guarda a lança.

– Muito bem princesa, então este dragão deu-te a liberdade que desejavas?

Nesse momento, o dragão solta um suspiro.

– Na verdade, eu sou uma dragona. E como também sou nobre, chamam-me Dragon Queen.

São Jorge arregala os olhos.

– O quê? Isto ainda é pior do que eu pensava. Se fosses um macho, vá lá, até poderia compreender, mas duas fêmeas juntas é algo contra a natureza. Eu tinha uma prima que se andava a roçar na mulher do sapateiro e demos uma tareia nas duas. Foi remédio santo. Casou e já tem três filhos.

A princesa abraça a dragona.

– Pobre São Jorge, tens a cabeça cheia de preconceitos. És um patriarcal patético. Estás a ver por que tive de abandonar os homens e vir para aqui?

São Jorge desce do cavalo e senta-se numa pedra com a mão na testa.

– Isto não devia ser assim. Eu devia matar o dragão, tu devias ficar contente, os habitantes da vila davam-me uma recompensa e, no fim, talvez até casássemos. Que vai ser de mim se as princesas se tornam lésbicas e se apaixonam por dragonas? Vou meter-me na cama com o ferreiro? Seduzir o moço da estrebaria?

A dragona e a princesa olham-se, condoídas com o sofrimento dele.

– Que te parece? – diz baixinho a princesa.

– Tem uns olhos bonitos e a barba fica-lhe bem – diz a dragona.

– Então achas que … – pergunta a princesa.

 – Sim, afinal não temos preconceitos pois não? – responde a dragona.

Então, delicadamente, a princesa pega na mão de São Jorge, a dragona lambe-lhe o rosto e os três, em silêncio, dirigem-se para a caverna.

Um raio de sol rompe o nevoeiro e ilumina a montanha.l

 

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