por José Bourdain
(Presidente da ANCC e dirigente cooperativo 3º sector)
Senhor Primeiro Ministro,
Gostaria de começar por louvar a sua intenção e dizer-lhe que pode contar com o meu total compromisso e disponibilidade para, nos próximos quatro anos, aumentar em 20% os salários dos trabalhadores da Cooperativa que dirijo. Tomo a liberdade de usar exactamente as suas palavras ditas em Julho de 2021,aquando da assinatura do Pacto de Cooperação com o 3º sector para os próximos dez anos, onde referiu que “devemos valorizar as carreiras dos profissionais que trabalham neste sector (6 % do total do emprego do País) ”e assumo desde já o meu compromisso em aumentar não 20% mas 40%. Assumo igualmente este compromisso por parte de todos os associados da Associação Nacional dos Cuidados Continuados (ANCC) da qual sou Presidente da Direcção. Precisamos apenas de uma pequena ajuda sua.
Tendo em conta que neste sector nós prestamos um serviço em nome do Estado e é V.Exª. que dita toda a nossa receita (os valores pagos pelo Estado e os valores que podemos cobrar às famílias), pedia-lhe então a sua ajuda para:
Aumentar os valores que nos paga pelos serviços que prestamos na exacta proporção dos aumentos salariais que o Senhor nos pede para dar (acrescidos da tal valorização que o Sr. prometeu);
Nesse aumento de valores leve em linha de conta a subida da inflação deste ano e ainda o aumento exponencial dos custos com energia que estamos a sofrer (equiparados aos da indústria pois o mercado é o mesmo). O Senhor Primeiro-Ministro criou um programa de apoio para os custos energéticos de vários sectores mas, como é hábito, esqueceu-se de nós.
Entretanto, a par deste aumento de custos, o Salário Mínimo Nacional (SMN) subiu, mais uma vez, em Janeiro deste ano. Desde 2015 que o SMN começou a subir de forma significativa mas os aumentos que o Senhor nos deu não foram suficientes para compensar essa mesma subida.
Para compensar tudo isto, as Organizações do sector social e solidário estão a receber exactamente o mesmo que em 2021 pois ainda não tiveram qualquer actualização de preços.
No caso específico dos Cuidados Continuados, entre 2011 e 2022 houve apenas uma actualização de 2,2% em 2019. Ou seja, dez anos sem actualizações de preços por parte do Estado, é obra! Certamente que, o facto de quatro Unidades de Cuidados Continuados terem fechado num curto espaço de tempo, será apenas uma enorme coincidência.
E que dizer de 2 anos de Pandemia em que todo o sector da Saúde viu os seus orçamentos reforçados para fazer face aos elevados aumentos de custos e os Cuidados Continuados não terem recebido um único cêntimo? O Sr. Primeiro Ministro é mesmo brincalhão J. Veja lá que nem um cêntimo nos deu, nem sequer uma máscara e ainda nos obrigou a gastar dinheiro para dar máscaras e outro material de protecção aos funcionários públicos que nos fiscalizam, uma a duas vezes por mês, pois nem material de protecção trazem.
Acresce que, Vª. Exa. assinou actualizações de preços em 2017 e 2018, em conjunto com os representantes do Sector Social (Compromisso para o Setor Social e Solidário e respectiva Adenda) mas simplesmente não as cumpriu. Aliás como não cumpriu a promessa de resolver o problema das dívidas das famílias entre outros compromissos assinados pelos seus Governos. Como também não cumpre a própria legislação do País, como por exemplo, a Portaria nº 1087-A/2007 de 5 de Setembro, de rever os preços dos Cuidados Continuados a cada 5 anos e aumentar os preços anualmente com base no Índice do preço ao Consumidor (IPC).
O resultado desta política é mais de 40% deste sector de actividade ter prejuízo. Confesso que não conheço nenhum sector de actividade com estes números. E não estou a falar de pandemias nem de guerras. Já é assim desde há vários anos e recordo o estudo da Universidade Católica do Porto publicado em dezembro de 2018.
Acresce que nestas Organizações, e a título de exemplo, o Ajudante de cozinha já ganha o mesmo que o Cozinheiro. As Organizações estão sempre em perda pois o aumento de receita (repito, da sua inteira responsabilidade) não é suficiente para cobrir o aumento dos custos, pelo que há profissionais que não têm um aumento de salário há mais de dez anos. Daí que seja cada vez mais difícil contratar profissionais para este sector e motivar os que ainda por cá andam. Como vê Senhor Primeiro Ministro, é fácil, basta apenas cumprir o que diz, o que assina e, já agora, também as leis do País.
Quem também é uma brincalhona e o acompanhou (e ainda acompanha) é Catarina Martins. Exige que as IPSS paguem melhores salários e ao mesmo tempo vota contra as propostas dos outros partidos em sede de discussão do Orçamento de Estado (tal como voltou a fazê-lo há poucos dias) para que este aumente as suas comparticipações a estas instituições.
Aqui há uns anos, numa greve que afectou as escolas o Sr. Primeiro Ministro tomou conta dos filhos do João Miguel Tavares para que este pudesse ir trabalhar. Não quer fazer algo parecido e vir mudar umas fraldas e limpar uns WC? É que duas “mãos” davam mesmo jeito pois não há pessoas para trabalhar.