Querida avó,
Celebrámos recentemente o Dia da Criança.
Todos os dias, quando vejo a Guerra na Ucrânia, fico a imaginar o futuro daquelas crianças.
Vi uma reportagem, recentemente, de uma mãe que dizia ter ficado com a casa parcialmente destruída. O filho ficou sem brinquedos e não tem escola. O parque infantil, onde a criança brincava diariamente, também ficou destruído. Como se não bastasse, o animal de estimação tinha desaparecido e não via o pai desde o início da guerra.
O entretém da criança é passar o dia à janela a ver os enterros dos vizinhos.
Estas imagens vão ficar tatuadas para sempre nas memórias desta e de outras crianças!
Quantos netos deixaram de ver os avós e não sabem se mais alguma vez os irão voltar a ver?
Tão importante que é a ligação intergeracional entre avós e netos.
Na casa dos avós há direito a tudo: bolachas antes do jantar, brincadeiras entre os estudos, presentes sem data especial, conversas fora de horas, confidências que os pais nem sonham…
São momentos como estes que nunca se esquecem e que tornam os avós peças fundamentais na vida dos netos.
Na casa dos meus avós a cozinha estava aberta 24h. A hora de dormir era negociável. Passava horas a ouvir os meus avós a contarem-me histórias da sua infância e a partilhar tradições.
Como sabes, gosto sempre de voltar às memórias de infância.
Sempre ouvimos dizer que as crianças de hoje serão os homens de amanhã e que o futuro do mundo depende da felicidade das crianças do presente.
Como será que as crianças ucranianas (e outras) vão ser no futuro?
A gargalhada de uma criança é das melhores coisas do mundo.
Espero que estas crianças voltem a ter muitas razões para sorrir.
Sabes que uma entre outras tantas coisas que adoro em ti é do teu sorriso de criança.
Nunca permitas que a criança que vive em ti desapareça.
Bjs
Querido neto…
Há umas coisas na tua carta com que eu não concordo – mas tudo bem, neste país ainda há liberdade de expressão! Antes de mais há duas expressões que eu detesto:
a) ‘As crianças são os homens de amanhã’.
Não, as crianças são as crianças de hoje e é nelas enquanto crianças que devemos pensar.
b) ‘A criança que há em mim’.
Em mim não há nenhuma criança. Entendo-as muito bem, sei como abordá-las – mas sou uma adulta a fazer isso.
Como eu digo sempre, nunca me lembro de ‘educar’ os meus filhos. Eles viviam connosco, participavam de tudo, assistiam às nossas conversas. E antes de adormecerem, costumávamos sempre recordar o que de bom e de menos bom tinha acontecido nesse dia.
E tenho uma extraordinária relação com os meus netos – mas, na minha casa, eles não tinham direito a tudo. Ou seja, o que eu sabia que os pais não queriam que eu fizesse – eu não fazia. Nunca fui daquele tipo de avó de estragar os netos. De resto, a minha neta mais velha mandava mais neles do que eu… Ela olhava para o relógio e, às 9 em ponto, mandava a mais nova para a cama. Tal como aos restantes irmãos. Até chegar a hora dela, também cumprida religiosamente.
E dentro deste horário divertíamo-nos imenso. Uma vez a televisão estragou-se e eles iam lá ficar. E agora? Pensei…
Nem se lembraram da televisão, tinham outras coisas bem mais divertidas para fazer, como os telejornais inventados (o banco do piano em cima da mesa fazia de écran, e eles falavam.)
Crianças muito politizadas, havia uma cena no telejornal que entrava sempre: a minha neta mais nova, muito séria, a interromper a emissão porque queria fazer uma comunicação ao país. ‘Sou a mãe do Passos Coelho e quero dizer que não foi essa a educação que eu lhe dei. Obrigada’. E saía. E eles riam que nem uns malucos.
E também gostavam muito de pegar numa lista telefónica e descobrirem os nomes mais idiotas que lá vinham. Tínhamos uma lista que nem acreditas.
E hoje fico por aqui.
Bjs