Por Artur Torres Pereira – 1º Presidente da ANMP
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (anmp) nasceu em 1984 para dar aos municípios uma só voz quando necessário. Foi formalizada como associação de direito privado para deter total liberdade perante todos os poderes públicos. Nasceu independente revendo-se na legitimidade histórica do Municipalismo português. Foi sedeada em Coimbra porque há país para além do Terreiro do Paço.
É estratégica a unidade de todos no seio da ANMP. Daí o princípio ‘um Município, um voto’ e o desafio a cada qual de ceder o possível para todos ganharem o desejável, fascinante exercício de maturidade política que obriga a ouvir e a tolerar mais, a compreender e a respeitar melhor.
Enquanto presidimos à ANMP entre 1984 e 1990 viveram-se algumas crises em que essa unidade foi posta à prova. A primeira foi interna, logo no 1.º Congresso (Figueira da Foz, 1984): o PCP desejava listas paritárias na eleição dos órgãos nacionais, ignorando a representatividade autárquica partidária nacional. Os restantes partidos opuseram-se, o PCP acabou excluído daqueles órgãos. Ninguém saiu da ANMP. A partir do Congresso eletivo seguinte, o 4.º (Montechoro, maio de 1986) o bom senso prevaleceu e o PCP passou a cumprir aquela regra óbvia.
Outras foram externas, envolvendo Governos do PSD. A segunda foi causada pela não disponibilização de meios indispensáveis e levou à convocação do 3º Congresso, extraordinário (Lisboa, Março de 1986), em que protestámos bem alto a nossa indignação perante o país. Ninguém saiu da ANMP.
A terceira decorreu de uma visão centralizadora do Estado, da inexistência de um diálogo construtivo com as autarquias e dos protestos da ANMP. Cereja em cima do bolo foi a sugestão feita pela direção nacional do PSD aos seus autarcas para recusarem integrar os órgãos da ANMP no 6.º Congresso (Estoril, 1990). Estes integraram o Conselho Fiscal e o Conselho Geral e, apesar de não integrarem o Conselho Diretivo, a votação esmagadora com que os três órgãos nacionais foram eleitos pelo Congresso legitimou a nova direção e o novo presidente. Ninguém saiu da ANMP.
Esta vive agora outra profunda crise em consequência do processo de descentralização de competências conduzido pelo Governo do PS, agravada pela recente decisão de a abandonar tomada pelo Município do Porto e da ameaça de outros em fazê-lo.
A atual polémica entre Porto e ANMP não é a primeira. O Porto não participou na fundação da ANMP devido à hostilidade do então presidente da Câmara Municipal (1983-1986) eng.º Paulo Vallada, homem distinto e portuense ilustre, para quem os pergaminhos históricos do Porto eram incompatíveis com a sua adesão a uma associação nacional na qual estivesse a par dos restantes municípios. A nossa persistência foi proporcional à sua intransigência, e só a sua substituição nas eleições autárquicas seguintes pelo Dr. Fernando Cabral (1986-1989), felizmente com outra visão estratégica, permitiu vencer aquele preconceito e acolher finalmente na ANMP o município do Porto.
Acontece que as razões de Paulo Vallada para não ter permitido a entrada do Porto não têm qualquer semelhança com as de Rui Moreira para ter querido sair. Enquanto as primeiras refletiram uma visão pessoal redutora e algo provinciana do Porto, as de Rui Moreira são razões políticas fundamentadas relacionadas com a defesa de interesses concretos do município, invocadas aliás por outros municípios. Que se saiba.
Independentemente da razão que lhes assista, já implicitamente reconhecida pelo Governo – que conduziu o processo com pouca prudência e alguma displicência –, a saída da ANMP não é solução porque não resolve nenhum problema, antes os agrava. Acusar a sua atual presidente de erros cometidos num processo iniciado muito antes da sua eleição é injusto. Afastar os municípios uns dos outros e da ANMP é pôr em causa uma unidade valiosa. Dividir para reinar, isso diz-nos algo?
Mais razão e menos coração, por favor. A ANMP deve levar o Governo a rever as suas falhas e a reconhecer o fundamento dos protestos. A comunicação entre todos deve ser inclusiva e participada. Deve negociar-se mais e melhor, e dialogar-se com lealdade. Buscando acordos que conduzam a resultados. Para mais, a responsabilidade pelo processo no atual Governo recai hoje em alguém que já deu num passado recente sobejas provas da sua sensibilidade e do conhecimento dos problemas das autarquias.
O Poder Local sempre foi a melhor escola da Democracia. A ANMP foi das poucas instituições nacionais pluripartidárias cuja cultura política sempre assentou no diálogo e no consenso para acordar posições, ultrapassar divergências e sanar conflitos. Até hoje, isso beneficiou em muito Portugal e os portugueses. Esperamos que Governo e Municípios continuem a saber fazê-lo.