Por Nuno Cerejeira Namora – Advogado Especialista em Direito do Trabalho
Foi notícia recente, no seguimento da publicação dos relatórios de resultados trimestrais das seis maiores instituições bancárias portuguesas, que os bancos que operam em Portugal nunca estiveram tão limpos de créditos malparados. Os seis maiores bancos terão alcançado, no primeiro trimestre deste ano, um rácio médio de créditos problemáticos de 3,8%. Esta boa notícia foi acompanhada por outra, ainda melhor: os mesmos seis bancos fecharam o primeiro trimestre de 2022 com resultados líquidos positivos superiores, no seu conjunto, a 615 milhões de euros.
Da análise dos relatórios de contas resulta claro que estes extraordinários lucros se devem a dois fatores: o crescimento da atividade comercial em praticamente todos os setores de negócio numa fase Moscóvia em que a economia nacional se volta lentamente a reanimar; e a aplicação de planos de reestruturação de recursos humanos.
Que existam lucros resultantes da melhoria das condições económicas, ou seja, decorrentes do crescimento económico, não há muita gente que conteste. Já a explicação de que o aumento dos lucros dos bancos se deve (também) à significativa diminuição do seu capital humano já gera maior celeuma, com alguns internautas, nas sempre edificantes caixas de comentários dos jornais online, a apelidarem o feito como «nojento» e revelador de um «capitalismo selvagem».
Realmente, é consabido que na última década o setor bancário tem reduzido drasticamente a sua força de trabalho (a Associação Portuguesa de Bancos estima que entre 2011 e 2019 o setor perdeu 10 mil trabalhadores e encerrou mais de 2000 agências), ora recorrendo à revogação dos contratos de trabalho (através de programas voluntários de acordos tendentes à cessação dos contratos de trabalho), aos acordos de pré-reforma, ora, no limite, lançando mão dos processos de despedimento por extinção do posto de trabalho e dos despedimentos coletivos.
Há muita coisa que podemos e devemos censurar à banca portuguesa, mas o terem resultados líquidos positivos, que resultam até, em parte, de uma reestruturação dos seus quadros, não é, por certo, uma delas. Na verdade, e com a exceção da Caixa Geral de Depósitos (que é, por sinal, o único banco onde as despesas com recursos humanos cresceram), os bancos são instituições privadas que operam numa economia de mercado e que, por isso, se orientam naturalmente para a obtenção e maximização do lucro. Negar esta evidência é negar a própria essência do horizonte económico em que nos movemos, donde só pode resultar pueril e errada uma diabolização do lucro. Ou seja, para quem aceite os benefícios de uma economia de mercado, aberta à concorrência leal, não pode analisar os resultados líquidos positivos das empresas sob uma perspetiva exclusiva ou excessivamente moralista, até porque, tal como no Direito, economia e moral são conceitos bem distintos. Com isto não se quer negar que ao capitalismo não devam estar subjacentes preocupações morais ou éticas, na boa tradição da doutrina social da Igreja, hoje praticamente desaparecida do espaço mediático e político.
Mas o caso do setor bancário é outro e convoca outros problemas que não a cruzada contra o lucro. Na verdade, a diminuição do número de trabalhadores da banca era inevitável e previsível, tendo a crise que os bancos viveram apenas acelerado esse processo. Desde o início da Era Digital que se percebeu que a atividade bancária teria, a curto prazo, de sofrer uma profunda refundação, essencialmente através da digitalização. E é precisamente isso que tem vindo a acontecer, tornando-se muitas funções e postos de trabalho dentro das estruturas dos bancos absolutas e/ou redundantes. De facto, uma banca digital dispensa bem um número significativo de trabalhadores cujas tarefas passam a ser executadas de forma automática, muitas vezes através de inputs fornecidos pelo próprio cliente. E uma banca à distância, praticamente virtual, prescinde de uma dispersão de agências e, por consequência, de muitos funcionários.
Esta transformação da atividade bancária é salutar, na sequência da revolução digital em curso, não trazendo questões distintas relativamente às que já conhecemos. Aliás, em abono da justiça, muitos destes acordos negociados pelos bancos para a saída dos seus funcionários são bem mais generosos que noutras áreas. O enfoque, pois, precisa de permanecer na garantia de processos transparentes e criteriosos de redução de recursos humanos e na promoção de projetos pessoais de reconversão profissional. Ora, neste domínio, um moralismo de pacotilha que ergue o lucro como primeiro inimigo é inútil. Pelo contrário, desvia a atenção do que realmente importa: o escrutínio da legalidade dos processos de reestruturação laboral.