A panóplia de histórias e rostos que nos chegam através das redes sociais é cada vez maior: se antes conhecíamos diferentes realidades através da televisão, neste momento não é necessário nenhuma ponte para que nos revelemos ao mundo. Da mesma forma, somos cada vez mais influenciados por aqueles que, através das plataformas, vendem produtos, difundem mensagens e informação, entretêm, ou inspiram os seguidores.
Segundo um estudo realizado pelo blog Top Dollar, existem quase 20 categorias de criadores de conteúdo de vídeo.
Entre eles, milhões de youtubers dedicados à música, lifestyle, moda e fitness. Além fronteiras, por exemplo, ecoam os nomes do sueco PewDiePie e do brasileiro Filipe Neto, dois dos youtubers mais conhecidos do universo do entretenimento com 111 e 44 milhões de seguidores, respetivamente. Já em Portugal, ouve-se falar de Sir Kazzio, com quatro milhões de seguidores, que se dedica a um público mais jovem, tal como SEA3P0 e Ric Fazeres, ambos com quase dois milhões. Mas o universo digital não é apenas feito de gargalhadas, experiências, jogos e publicidade encapotada. Há quem o utilize para falar sobre o que lhe é importante, com o objetivo de quebrar estigmas e preconceitos. Nesse panorama, há atualmente um nome que se destaca em todo o globo: Nikki Lilly Christou, uma jovem britânica de 17 anos que foi operada quase uma centena de vezes em decorrência de uma malformação arteriovenosa que a vem desfigurando desde os seis anos de idade.
O Youtube como “salvação” Dois anos depois de receber a notícia de que sofria desta doença cerebral que, além de lhe colocar a vida em risco, deforma o rosto de maneira muito pronunciada, e “para lidar com todas essas mudanças e provar a si mesma que podia ser uma menina igual às outras da sua idade – apesar de estar sempre entre o hospital e a sua casa -, Christou decidiu começar a publicar vídeos seus no Youtube. Primeiro, optou por bloquear os comentários “para evitar insultos”. Contudo, bastou ganhar um pouco de confiança para reativá-los de forma a perceber aquilo que as pessoas que se cruzavam com o seu canal pensavam e sentiam relativamente à sua realidade e, acima de tudo, “tentar ajudar outras pessoas na mesma situação”. “Fui diagnosticada com esta malformação quando tinha apenas seis anos. Antes disso era como qualquer menina! Super ativa, extrovertida, etc. Mas quando me contaram o que tinha, a minha vida mudou completamente. Como passava o tempo todo entre casa e o hospital, acabei por perder o contacto com o mundo exterior e tive de arranjar novas maneiras de me divertir”, contou ao Elite Daily, em 2020. “O meu interesse pelo Youtube surgiu precisamente quando a minha aparência começou a mudar e me comecei a isolar da realidade, porque nem toda a gente é gentil com este tipo de mudança. Cheguei à conclusão de que o YouTube poderia ser algo bom para mim, porque me ajudaria a colocar toda a minha energia, tempo e foco noutra coisa”, explicou.
Nikki começou então a dedicar o seu tempo a tutoriais de maquilhagem, vídeos que acompanham o seu dia-a-dia, sugestões de outfits e, principalmente, covers de músicas conhecidas, como uma versão no ukulele de ‘Here Comes The Sun’, dos Beatles e outra de ‘Somewhere Over The Rainbow’, de Harold Arlen. Agora, sete anos depois, mais de um milhão de seguidores visitam regularmente o seu canal, onde faz questão de também falar sobre cyberbullying e sobre a sua vida enquanto “adolescente comum”. “Quando comecei, havia muitos comentários que diziam: ‘És feia!’. Feia é uma palavra muito comum”, revelou à BBC, em 2019. “Naquela altura, esses comentários afetaram-me muito, porque a minha confiança era muito menor do que é agora. Aliás, ela foi construída através dos vídeos. Os comentários negativos são tão frequentes que praticamente me tornam imune”, adiantou, frisando que isso não significa que não a afetem. “Afetam! Mas percebi que as pessoas que comentam coisas horríveis, estão a falar muito mais delas próprias do que de mim! É muito triste e cobarde que sintam a necessidade de publicar coisas horríveis sobre outra pessoa porque estão muito tristes com as suas vidas”, lamentou, acrescentando que numa altura em que existem muitos “mundos inventados” nas redes sociais, escolheu ser ela mesma. “Por que é que me devo conformar com os modelos estabelecidos? Somos todos diferentes e únicos. E acho que se não fôssemos, o mundo seria muito chato. Quero que as pessoas saibam que não estão sozinhas, que podem fazer o que quiserem!”, defendeu no ano passado, num vídeo em que foi apresentada como “uma das pessoas mais influentes da Grã-Bretanha”.
Da internet para a televisão E muito se deveu ao salto que deu para a televisão em 2016 e que lhe valeu o primeiro lugar no concurso de jovens cozinheiros, Junior Bake Off. No mesmo ano, Nikki recebeu o prémio Child of Courage, no Pride of Britain Awards. Desde 2018, apresenta o seu próprio programa no CBBC, canal infantil da BBC – Nikki Lilly Meets. Nesse espaço, já realizou entrevistas a personalidades como Theresa May, a ex-primeira-ministra do Reino Unido e líder do Partido Conservador de 2016 a 2019. Além disso, em 2019, a youtuber ganhou um BAFTA “especial”. Na altura, a organização do prémio anunciou que Nikki Lilly seria agraciada com a “maior premiação no Children’s Awards”. À época, Helen Blakeman, presidente do comité infantil do BAFTA, afirmava acreditar que Nikki era uma “pioneira na sua geração”. “Estou muito feliz por ver o trabalho de Nikki… A sua extraordinária coragem e a mensagem de esperança que ela passa a tantos outros jovens”, sublinhou em comunicado a responsável. A sua vida foi ainda tema de dois documentários da CBBC: o primeiro, em 2016, Born to Vlog, com o qual venceu precisamente o prémio BAFTA e que lhe valeu ainda o prémio international Emmy Kids, e em 2018 o documentário I Will Survive. Recentemente esteve também ao lado do príncipe William, ao participar no plano de ação nacional para combater o cyberbullying na sede da Google, em Londres.
A adolescente promete continuar a utilizar a sua plataforma para espalhar “mensagens positivas” e, ao longo destes anos, admite ter aprendido muita coisa sobre si e os outros. “Assim que colocas a tua vida na internet, estás a expor-te ao mundo todo. Com isso, recebemos coisas boas, mas também coisas más! E isso pode acontecer até à rapariga ou rapaz mais atraente do mundo”, alertou.