A seca extrema que se faz sentir em várias regiões do mundo tem recentemente trazido à superfície vários vestígios do passado que estavam submersos há décadas e, em alguns casos, até mesmo há séculos. Uma série de fatores, como a falta de precipitação e o aumento generalizado das temperaturas, fortemente impulsionados pelas alterações climáticas, têm contribuído para que estas descobertas se multipliquem nos últimos anos.
Numa reserva natural em Gualtieri, uma vila italiana situada nas margens do Rio Pó, na região de Emilia-Romagna, a situação de seca tem vindo a agravar-se de tal forma que um barco de carga com cerca de 50 metros de comprimento, afundado durante a Segunda Guerra Mundial, acabou por ficar totalmente exposto.
O Zibello, que naufragou em 1943, até aqui permaneceu escondido sob as águas do Pó, mas agora, com os níveis tão baixos, os destroços que restam da embarcação estão visíveis para quem passa por aquelas margens.
O Rio Pó, que percorre 650 quilómetros desde os Alpes Cócios, alimentando várias regiões italianas, para depois desaguar no Mar Adriático, enfrenta atualmente o pior período de seca em 70 anos. Mas estas condições hidrográficas que deixaram a descoberto o Zibello também trazem à luz outros problemas, pois a escassez de água tem afetado a agricultura na região bem como a produção de energia hidroelétrica no país.
As temperaturas mais altas do que o normal, chuvas escassas e muito menos neve durante o inverno, particularmente nos Alpes do Sul, têm contribuído para a seca naquela que é uma das regiões italianas mais dependente da agricultura. A situação é tão crítica que os líderes da Lombardia, Piemonte, Veneto e Emilia-Romagna ponderam declarar o estado de emergência. Algumas autoridades do Norte de Itália apelaram mesmo a 125 cidades abastecidas pela região que racionem o consumo de água potável de forma a restaurar os níveis do reservatório.
Esta não é a primeira vez que o vale do Pó enfrenta um período de seca: em 2007, 2012 e 2017, a região passou por algo semelhante. Contudo, pressente-se na comunidade científica que a crescente prevalência deste fenómeno ao longo dos anos seja mais um indicador dos efeitos da crise climática.
“Esta seca é única na história devido à combinação de duas anomalias – a falta de chuva, além da temperatura elevada, que está diretamente ligada às alterações climáticas. E a situação só tenderá a piorar, pois a previsão é de que os próximos meses sejam ainda mais quentes e secos”, afirmou Luca Mercalli, presidente da Sociedade Meteorológica Italiana, em declarações ao The Guardian.
Uma cidade com mais de 3400 anos
Nas margens do rio Tigre, uma equipa de arqueólogos curdos e alemães descobriu no início deste mês as ruínas de uma cidade com mais de 3400 anos, pertencente ao reino Mitani, no Iraque, que emergiu devido ao baixo nível da água que cobre a barragem de Mossul. A descoberta, mais uma vez, só foi possível porque o Iraque lida com períodos de seca extrema desde finais de 2021.
De acordo com a Universidade alemã de Friburgo e Tübingen, que levou a cabo as escavações arqueológicas no local, o Iraque tem sido um dos países que mais estão a sofrer com as alterações climáticas, principalmente no sul do seu território. A falta de chuvas e a má gestão dos recursos deixaram as comunidades que dependem dos rios Tigre e Eufrates sem a água necessária à sua sobrevivência.
Nos últimos meses, as autoridades viram-se obrigadas a tomar medidas e grandes quantidades de água tiveram que ser retiradas da Barragem de Mossul para evitar que as culturas agrícolas da região secassem. Esta decisão acabou por preservar mais do que as colheitas. Da área drenada, revelou-se uma área com séculos de História e os arqueólogos conseguiram mapear aquilo que acreditam ter sido a antiga cidade de Zakhiku, um importante centro durante a existência do Império Mitani (entre 1550 e 1350 a.C.).
Durante a exploração do local, a equipa da universidade alemã conseguiu identificar numerosos edifícios e artefactos, como um forte com vários muros e torres, as paredes de um armazém, além de centenas de vasos feitos de argila crua com escrituras que sobreviveram longos anos debaixo de água.
Aldeias fantasma
Em Portugal, a seca tem vindo a mudar drasticamente o cenário junto a várias margens de rios e barragens do país. À medida que o nível da água foi descendo, ficaram à vista velhas ruínas de aldeias submersas, locais fantasma que se tornaram num novo tipo de atração turística.
Neste inverno, pouco chuvoso e com temperaturas muito mais elevadas do que o normal para a época, as atenções viraram-se para as ruínas da antiga aldeia do Vilar, na Pampilhosa da Serra, submersa a 12 de fevereiro de 1954. Quando as comportas da Barragem do Cabril no Rio Zêzere se fecharam por causa da falta de chuva, a aldeia fantasma ficou completamente à vista.
Esta foi a primeira vez que quase toda a aldeia ficou em terreno seco. Muitas foram as fotografias partilhadas nas redes sociais e as reportagens feitas a denunciar o quanto o nível da água desceu.
Se no inverno a situação já era preocupante quando todo o território nacional se encontrava em estado de seca agravada, os fracos sinais de precipitação em Portugal durante o mês de junho deverão contribuir para o aumento das áreas em situação de seca extrema. Segundo o Instituto do Mar e da Atmosfera (IPMA), perante os “valores de precipitação inferiores ao normal” para o mês de junho “é expectável, no final do mês, um agravamento da intensidade da seca meteorológica em todo o território”, além de “um aumento da área em seca extrema”.
Em maio, 97% do território encontrava-se em situação de “seca severa”, 1,5% em seca moderada e 1,4% em seca extrema.