Macron desespera

A oposição inteira recusou coligar-se com o ‘arrogante’ Presidente. Que terá de aprender a fazer compromissos.

Emmanuel Macron, fragilizado pelo estrondoso desaire que foram as eleições legislativas, passou a semana a tentar cortejar a oposição, questionando quanto estavam dispostos a ceder para construir uma coligação de Governo «pelo interesse da nação». A resposta, até agora, foi não muito. No seio da oposição, poucos mostram vontade de se associar a um Presidente tão impopular, mesmo que isso significasse governar. E ninguém tem dúvidas que a diferença entre o impacto interno e externo de Macron se vai agudizar.

Talvez tenha sido esse um dos calcanhares de Aquiles do Presidente francês. Macron, que se tem tentado afirmar como o rosto da UE na época pós-Merkel, goza de enorme influência na União, tendo tentado aprofundar a integração europeia e, mais recentemente, tornar-se decisivo no que toca ao posicionamento quanto à guerra na Ucrânia. Mas os franceses parecem estar mais preocupados com a arena doméstica, ao mesmo tempo que o seu Presidente tenta levar avante uma agenda neoliberal impopular, como a sua reforma das pensões, que pretende subir a idade da reforma dos 62 para os 65 anos, algo a que se opõem 70% dos franceses, mostra uma sondagem da Elabe, publicada pelo Les Echos.

Certamente que essa insistência de Macron, num país em que os direitos laborais são sempre um tema quente, teve algum impacto na perda da maioria absoluta de Macron. A coligação de centro-direita que o apoia, o Ensemble, ou Juntos, em francês, obteve uns 245 lugares, bem longo dos pelo menos 289 que precisava, deixando a agenda legislativa do Presidente congelada.

Alguns analistas apontam que o facto do Presidente se ter dedicado tão intensamente à política externa – talvez por estar consciente da ligeira subida na sua popularidade no início da invasão da Ucrânia – também pode não ter ajudado. Entre a primeira e a segunda ronda das eleições legislativas francesas, Macron até decidiu visitar Kiev, junto com outros líderes europeus.

Essa visita foi considerada um símbolo importante da unidade da UE face à invasão russa. No entanto, enquanto o Presidente se dedicava a tal, os seus principais adversários – Marine Le Pen, líder da Reunião Nacional (antiga Frente Nacional) e Jean-Luc Mélenchon, que encabeça uma nova coligação vermelha e verde, a Nova União Popular Ecologista e Social (Nupes) – focavam-se em fazer campanha em solo francês. O apoio à Ucrânia pode ser algo popular entre o eleitorado, mostram as sondagens, mas isso não chegou para os franceses ultrapassarem os anticorpos a Macron.

«Política estrangeira não é um campo onde nem Le Pen nem Mélenchon queiram gastar a sua energia quando têm tantos assuntos domésticos com que desafiar Macron», frisou Laurie Dundon, investigadora sénior da European Leadership Network, à Associated Press. Como tal, com o espetro político fragmentado e uma Assembleia Nacional – o Parlamento francês – paralisada, o Presidente não terá uma vida fácil. «Haverá muito mais contraste entre a pressão que ele pode sofrer em casa comparado com a sua rédea solta lá fora», aponta Dundon.

Não há grande dúvida que Macron não ficará nada satisfeito com isso. O Presidente francês, acusado de ser «arrogante», nas palavras de Mélenchon, sempre mostrou um certo gosto por propostas grandiosas. Nota-se muito isso na arena internacional, onde Macron se tornou o principal proponente de uma espécie de «exército europeu», propondo a criação da «Comunidade Política Europeia» (ver páginas 8 e 9), algo debatido no Conselho Europeu desta quinta-feira, apesar dos ceticismo de boa parte dos seus homólogos.

No que toca à política francesa, nota-se a mesma tendência de Macron, que agora terá de aprender a fazer compromissos, algo pouco habitual para um chefe de Estado francês. Já não havia um Presidente sem maioria absoluta desde a década de 1980, nos tempos de François Mitterrand. Com a criação da Quinta República, em 1958, o posto de Presidente até foi desenhado como uma «monarquia eleita», nas palavras do general Charles de Gaulle, que «colocou no coração da República o foco do ancien régime num chefe de Estado forte, que teria poucos motivos para fazer compromissos», lê-se na France Press.

 

Oposição recusa coligações

Nem Os Republicanos, o mais óbvio candidato a uma coligação de Governo mais o Juntos, querem ter nada a ver com Macron. Os representantes da direita tradicional, herdeiros políticos de De Gaulle, sofrem perdas desde o fim do bipartidarismo. E têm motivos para temer que a impopularidade do Presidente os afunde ainda mais.

«Aqueles que votaram em nós não o fizeram para que nós entrássemos em algum tipo de coligação», explicou aos jornalistas Christian Jacob, líder de Os Republicanos, após se reunir com Macron, no Eliseu. «Está fora de questão de trair aqueles que confiaram em nós».

Já o líder parlamentar de Os Republicanos, Olivier Marleix, clarificou que não haverá coligação mas poderá haver negociações proposta a proposta. Macron «parece estar a pedir um cheque em branco, obviamente não pode funcionar assim», queixou-se o dirigente de direita, em entrevista ao Le Point. «Se os franceses não lhe deram uma maioria, foi porque o queriam forçar a um diálogo».

Já os grandes vencedores da noite eleitoral, a esquerda radical e a extrema-direita, não estão muito interessados em conversas com Macron. Melénchon até exigiu a demissão da primeira-ministra, Elisabeth Borne, que fora nomeada o mês passado, após Macron sair vitorioso das presidenciais, batendo Marine Le Pen. De facto, Borne, uma antiga ministra do Trabalho, detestada por setores da esquerda devido aos seus cortes nos subsídios de emprego, ofereceu a sua demissão, esta semana, mas o Presidente francês recusou-se de imediato a aceitar. Para fúria da oposição.

«A primeira-ministra, como em todas as democracias do mundo, deve comparecer perante a Assembleia Nacional e pedir a confiança dos deputados», declarou Melénchon, cuja coligação que lidera conseguiu uns extraordinários 131 deputados na Assembleia Nacional logo nas suas primeiras eleições. «Se ela não tiver essa confiança, deve demitir-se», frisou.

Já Le Pen, cujo partido conseguiu eleger 89 deputados, também tem jurado oposição a Macron, ignorando as suas tentativas de persuasão. Os deputados da Reunião Nacional «nunca se juntarão a uma coligação macronista», disse a líder da extrema-direita, que notou que tal só serviria para «implementa políticas que o partido pretende combater».