A Ucrânia pode ter recebido o estatuto de país candidato à União Europeia, esta semana, junto com a Moldávia, mas o consenso entre os Estados-membros fica-se por aí. Tanto Kiev como Bruxelas descreveram a decisão como «histórica», mas a história mostra que o estatuto de país candidato à UE pode ficar indefinidamente congelado, que o diga a Turquia. E, apesar da unidade europeia – talvez se possa considerar a Húngria uma excepção – quanto ao apoio à Ucrânia face à invasão russa, no que toca à plena adesão deste país à UE há algumas reticências, ainda que só expressas discretamente nos bastidores de Bruxelas.
«Em conversas privadas, diplomatas da UE expressaram preocupação com a preparação da Ucrânia e disseram que não acreditavam que o estatuto de candidato fosse realista para um país no meio de uma guerra brutal», avançou o Washington Post. «A Holanda, Dinamarca e Portugal estavam particulamente céticos», lia-se no artigo publicado na quarta-feira. O próprio António Costa veio a público mostrar-se contra a criação de «falsas expetativas», dando muito que falar na imprensa internacional. No entanto, no dia seguinte, inverteu o rumo, dado que a aceitação da Ucrânia como candidato pelo Conselho Europeu requer unanimidade.
Contudo, este é um processo que normalmente demora anos. E quem sabe o que esperar de um país em guerra como a Ucrânia a longo prazo? Na prática, a decisão de conceder-lhe o estatuto de candidato «é sobretudo uma questão simbólica, de apoio, de mostrar que a luta não é em vão», aponta Bernardo Teles Fazendeiro, investigador no Centro de Estudos Sociais (CES) e professor de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra, especializado no mundo pós-soviético, à conversa com o Nascer do SOL.
É que a aceitação da candidatura ucraniana «é uma concessão, mas uma concessão que custa pouco», acrescenta Teles Fazendeiro. «Não implica que a adesão à UE esteja próxima, pode ser constantemente adiada».
Trata-se de uma opinião amplamente partilhada pelos observadores internacionais. Para já, há alguns receios de que esta decisão do Conselho Europeu leve a represálias da parte de Rússia, tendo o Presidente Volodymyr Zelensky alertado para o risco de uma escalada das hostilidades por parte dos invasores. No entanto, o estatuto de candidato concedido à Ucrânia, «a nível operacional, da guerra em si, deve afetar pouco», considera Fazendeiro.
«Moscovo já devia estar ciente desta possibilidade a partir do momento em que fez o que fez. E que a posição de união que a Europa tomou em 2014 só iria tornar-se mais forte», considera o investigador do CES, referindo-se à anexação da península da Crimeia pela Rússia e ao envio de tropas – os chamados ‘homenzinhos verdes’ – para apoiar os separatistas de Donbass.
Se, de facto, Moscovo não deve ficar nada satisfeita vendo Kiev virar-se ainda mais para Bruxelas, tendo tentado durante décadas manter os seus vizinhos dentro da sua esfera de influência, de certa forma já sabia que uma batalha perdida. Pelo menos, desde 2014, quando a sua influência política na Ucrânia, através de partidos e movimentos pró-russos na Ucrânia se esfumou.
Foi um afastamento que, obviamente, se agravou muito mais com a invasão. Daí que o Kremlin tente encolher os ombros perante esta candidatura da Ucrânia à União Europeia – «não temos nada contra isso», reagiu Vladimir Putin, durante o Fórum Económico de São Petersburgo, lembrando que esta união «não é um bloco militar» – e se limite a tentar agarrar ainda mais território no Donbass (v. texto ao lado).
Na prática, em 2014, no rescaldo da revolução de Euromaidan, Putin «ganhou a Crimeia e perdeu a Ucrânia», descreve Teles Fazendeiro, citando um conhecido artigo de Jeffrey Mankoff, do Center for Strategic and International Studies, escrito nesse mesmo ano. Longe vão os tempos em que Moscovo procurava convencer Kiev a juntar-se à União Económica Eurasiática (UEE), que tenta ser uma espécie de União Europeia juntando a Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão.
Claro que esta candidatura ucraniana a entrar na União Europeia «não pode ser um processo de adesão semelhante aos que ocorreram no passado. Isso é impensável com esta nova realidade, com um país em guerra», explicara ao Nascer do SOL Sandra Fernandes, professora de Relações Internacionais na Universidade do Minho, especializada nas relações entre a Rússia e a Europa, a semana passada, quando já se dava como praticamente certa a aprovação da candidatura pelo Conselho Europeu.
Já quanto à vontade real dos líderes europeus para concretizar essa candidatura da Ucrânia, há enormes dúvidas. O Estado ucraniano «já implementou 70% das regras, normas e padrões europeus», assegurou a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen. No entanto, o que lhe falta conseguir é particulamente crucial, como o combate à corrupção. À semelhança de tantas outras antigas repúblicas soviéticas, parte da economia ucraniana está nas mãos de poderosos oligarcas, colocando a Ucrânia na 122ª posição do índice de corrupção da Transparency International, entre 180 países, pouco acima da Rússia, que está no 136.º lugar. Criando dúvidas quanto ao destino de eventuais fundos comunitários enviados para a Ucrânia.
Aliás, ainda esta semana, coincidentemente, o Conselho Europeu também debateu uma proposta de Emmanuel Macron (páginas 42 e 43) para a criação de uma Comunidade Política Europeia. Esta ideia tem sido vendida pelo Presidente francês como sendo uma estrutura «magra», que serviria para diálogar com os países europeus fora da UE, de maneira a «estabilizar o continente», explicou, durante uma visita à Moldávia, citado pela France Press. Deixando o Governo ucraniano com os nervos à flor da pele, temendo que a proposta de Macron não passasse de uma desculpa para congelar a sua candidatura à União Europeia.