Música, atriz, dançarina, produtora, e agora protagonista do seu próprio documentário, são muitas as facetas da ícone da cultura pop, Jennifer Lopez, que aos 52 anos, viu este mês a plataforma de streaming, Netflix, estrear um documentário, Halftime, que é tanto sobre a performance no intervalo da 54ª edição da Super Bowl como uma visão da carreira de 33 anos da artista.
Apesar de ser uma das pessoas mais escrutinadas pelos paparazzi norte-americanos, obcecados com as suas relações, nomeadamente com o ator e realizador Ben Affleck, vulgo casal ‘Bennifer’, que foi considerado pela jornalista Clare Malone como o casal «responsável pelo boom dos tabloides no início dos anos 2000», escreveu no The Ringer, J.Lo, no que toca a comentários feitos pela própria, costuma ser bastante reservada, por isso, Halftime ofereceu uma visão inédita sobre os seus pensamentos, nomeadamente no que diz respeito à sua performance no Super Bowl, onde dividiu os holofotes com Shakira, o que levou Lopez a deixar alguns comentários negativos.
«Se era para ter acontecido um espetáculo com duas cabeças de cartaz deveriam ter-nos dado 20 minutos para atuar», pode ouvir-se no documentário, durante um diálogo entre J.Lo e a cantora colombiana, criticando a decisão das duas artistas apenas terem 14 minutos, que deveriam ser divididos entre o reportório das duas, com as estrelas da música latina a fazerem um medley dos maiores êxitos da sua carreira.
«Contar com duas estrelas para fazer o espetáculo do Super Bowl foi a pior ideia do mundo», disse a cantora, que a certa altura no documentário surge a ter uma chamada telefónica com o produtor da NFL, Ricky Kirshner, a dizer que o «final da performance não pode ter um minuto». «Estávamos a tentar reduzir tudo ao mínimo. É difícil porque é um palco enorme e é um espetáculo muito importante. Todos sonhamos fazer isso. E tem sido um pesadelo desde que começámos», disse na altura a cantora.
Uma das grandes lutas da cantora foi também manter no espetáculo jaulas que simbolizavam as crianças filhas de emigrantes e refugiadas que se encontravam detidas em gaiolas nos Estados Unidos devido à política de ‘tolerância zero’ do Presidente Donald Trump.
Esta atenção aos detalhes e à mensagem política, num dos maiores eventos mundiais, representa uma importante evolução na carreira de Jennifer Lopez, cujo percurso a viu a sair das sombras enquanto dançarina de apoio para ocupar os maiores palcos do mundo enquanto uma estrela em nome próprio.
A ascensão de uma das maiores estrelas mundiais
Antes de ser a J.Lo, Jennifer Lynn Lopez nasceu no Bronx, em Nova Iorque, os seus pais, David López e Guadalupe Rodríguez, nasceram em Porto Rico, mas mudaram-se para os Estados Unidos quando ainda eram crianças.
Lopez, a filha do meio, que dividia o quarto com as suas duas irmãs, vivia numa casa que, apesar de ser «rigorosa» e católica, estava «repleta de música», disse à Entertainment Weekly, explicando que a sua família sempre a encorajou a cantar, dançar e fazer as suas próprias peças de teatro nos convívios de família.
A dança foi a primeira paixão da artista, que, para a desaprovação dos seus pais, acabou por abandonar a universidade para prosseguir esta carreira. Os seus primeiros trabalhos foram a participar em musicais pela Europa, tendo sido mais tarde contratada como uma dançarina de apoio para a boysband New Kids on the Block e em vários videoclipes.
O grande trabalho que acabou por mudar a vida de Lopez foi no programa de televisão, In Living Color, de sketches de comédia, que popularizou personagens como Jim Carrey e Jamie Foxx, onde a atriz e coreografa, Rosie Perez (nomeada a Óscar em 1994, pela sua performance no filme Fearless), reparou que a dançarina Lopez tinha «potencial».
Lopez surgia nas gravações de In Living Color durante o dia e estudava para ser atriz durante a noite, um sonho que ganhava cada vez mais força na sua vida.
A artista acabaria por abandonar o programa para gravar o videoclipe da música That’s The Way Love Goes, de Janet Jackson, mas, apesar de ter tido a oportunidade de se juntar na tour mundial, em 1993, da cantora, esta optou por se focar na sua carreira de atriz.
O seu primeiro papel profissional chegaria num pequeno papel na série de televisão South Central (1994) e, no ano seguinte, iria estrear-se no cinema no drama Mi Família. Esta fase da vida de Lopez seria marcada por diversos pequenos papéis em produções como Jack (1996), filme de Francis Ford Coppola, realizador de O Padrinho e Apocalipse Now, protagonizado por Robin Williams, ou Blood and Wine (1997) com Jack Nicholson, mas o seu primeiro grande papel estaria mesmo ao virar da esquina.
Em 1997, Lopez interpretou o papel titular do filme Selena, uma cantora de culto Tejana, um texano de ascendência hispânica e/ou latino-americana, que acabou por ser assassinada pelo presidente do seu clube de fãs. Neste papel, J.Lo acabou por se tornar na primeira atriz latina a receber um milhão de dólares.
«A performance de Lopez não foi perfeita, mas foi alegre, dinâmica e envolvente», escreveu Jodi Walker do The Ringer. «Embora a estranha tentativa de sotaque texano de Jennifer Lopez acabasse por desaparecer, a personalidade de vizinha do lado e a revelação de que ela poderia cantar renderam lucros para várias futuras aventuras de J.Lo», afirmou.
Apesar de se terem seguido diversos papeis em filmes não tão bem-sucedidos, comercialmente e entre a crítica, como Anaconda (1997) ou Out of Sight (1998), Lopez iria virar a sua atenção para a música enveredando numa carreira que produziria êxitos atrás de êxitos.
O seu primeiro disco, On the 6 (1999), batizado como uma homenagem ao metro que ligava Bronx até Manhattan, que conta com algumas das maiores músicas da cantora, como Let’s Get Loud ou If You Had My Love, com muitos críticos a considerarem Lopez uma das grandes responsáveis por misturar a cultura latina com a pop abrindo a porta a muitos outros artistas e mulheres latinas para o mundo da música popular.
Entre muitos outros discos, êxitos, filmes, uma residência com mais de dois anos em Las Vegas e escândalos nos tabloides, J.Lo foi-se sagrando como uma das maiores estrelas do planeta e, apesar de parecer indicar uma certa estagnação criativa na sua carreira nos últimos anos, em 2019, com o filme Hustlers, realizado por Lorene Scafaria, onde a artista interpreta o papel de Ramona Vega, uma stripper que, juntamente com as suas colegas, se unem para roubar os seus clientes ricos.
O filme foi um sucesso na bilheteira e bastante elogiado pela crítica, com a crítica de cinema Christy Lemire a considerar a atuação de Lopez como a melhor da sua carreira.
Lopez descreve que a atuação neste filme foi uma das mais complicadas da sua carreira, tendo inclusive enveredado por aulas de dança de verão para se preparar para o papel, mas estava muito entusiasmada em participar no filme porque considerava que este tinha «substância». «Sempre lutei por este tipo de papeis na minha carreira», disse.
«Este é um filme sobre mulheres que tinham opções limitadas e tiveram que fazer escolhas difíceis. Estas personagens fizeram-me lembrar mulheres que conheci quando estava a crescer no Bronx», explicou, revelando que o facto de não ter sido nomeada a Óscar foi uma grande dor.
«A verdade é que realmente comecei a pensar que seria nomeada», afirma durante o documentário. «Criei estas esperanças porque muitas pessoas estavam a dizer-me que era uma hipótese. E depois não aconteceu. Tive que me perguntar, o que é que isso significa? Eu não faço o meu trabalho por prémios… eu faço isto para contar histórias e para tentar criar a mudança e ligar as pessoas e fazê-las sentir coisas, porque eu quero sentir alguma coisa também. É por isso que eu faço isto».
Apesar da desilusão dos Óscares, Hustlers permitiu a introdução de Lopez a uma nova audiência e uma maior plataforma para passar a sua mensagem, como as críticas à política de ‘tolerância zero’ do ex-Presidente Trump, com a implementação durante o seu espetáculo, em Miami, um dos estados norte-americanos que conta com maior percentagem de população latina, de jaulas que contavam com crianças lá dentro, com o objetivo de desfazer a narrativa «criada por Trump» de que «todos os imigrantes que estão a tentar entrar nos Estados Unidos são criminosos».
«Não sou uma pessoa muito política», confessa durante o documentário, «mas estava a viver nuns Estados Unidos que não reconhecia. Temia pelos meus filhos e pelo seu futuro», explicou, afirmando que, depois de ver as imagens de crianças a serem separadas pelos seus pais, «não podia mais deixar as políticas para as outras pessoas».