Quem anda pelos transportes públicos das cidades de Lisboa e do Porto já se cruzou, pelo menos uma vez, com uma campanha comunicativa que, através de cartazes, pretende elucidar e explicar aos transeuntes o significado de vários termos associados com a comunidade LGBTQIA+. Chama-se ABCLGBTQIA+, e resulta de uma parceria entre o jornal Público e a cadeia televisiva FOX, entre outros. Há quem goste da iniciativa, que explica o significado de termos como ‘lésbica’, ‘transgénero’ e ‘aliado’, e há quem critique a campanha.
Mas também há quem seja fervorosamente contra a mesma. É o caso de Paulo Lopes, docente do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, que, tendo-se cruzado com estes cartazes, decidiu partir para as redes sociais, onde apontou duras críticas à iniciativa. Os comentários caíram mal à comunidade estudantil da UA e, apurou o Nascer do Sol, a mesma tem reunido em várias ocasiões para discutir o assunto. Trata-se do mesmo professor que foi alvo de um inquérito por parte da Reitoria da UA, há sensivelmente um ano, depois de ter sido acusado de partilhar nas redes sociais mensagens com teor “discriminatório”.
Desta vez, os ataques foram dirigidos à comunidade LGBTQIA+, que o docente da UA rotulou como “lixo humano”, seguindo de um ponto de interrogação a seguir à palavra ‘humano’, para o qual “estamos a precisar urgentemente duma ‘Inquisição’”. “Este acto publicitário é uma agressão e merecia umas valentes pedradas nas vitrinas só para aprenderem”, atirou o docente, comentando: “Fica a sugestão… quem alinha?”.
A Reitoria diz estar ainda a “determinar os contornos concretos desta situação”. Quando confrontados com o inquérito instaurado em junho do ano passado, relativo a uma outra polémica, alegou, em declarações ao Nascer do Sol, que “esta situação parece ser diferente”.
Em comunicado oficial, a Universidade de Aveiro argumentou ser defensora da "liberdade de expressão e de opinião, consagrada na Constituição da República Portuguesa, reconhecendo a separação das esferas pessoal e profissional". "Ciente, porém, da importância que um ambiente de respeito e confiança tem para o bom funcionamento da Instituição, a Universidade saberá avaliar quaisquer condutas que possam interferir com esses últimos valores e propósitos e que se repercutam negativamente na imagem da instituição — e atuará em conformidade, com rapidez e firmeza", continuou a UA.
A publicação do docente do Departamento de Física rapidamente chegou aos ouvidos dos alunos da Universidade, que prontamente partilharam e criticaram o seu conteúdo nas redes sociais, reunindo depois para debater o assunto, conforme o Nascer do Sol apurou. Aliás, relatos revelam que nesta reunião terão marcado presença entre 200 e 300 pessoas, acompanhadas de mais de 300 pessoas através de Zoom. No grupo de Facebook intitulado “Ação contra o Prof. Paulo Lopes”, contavam-se mais de 350 membros.
“Outra ideia: chamamos cá o Putin (o Grande) para meter todos estes "tramposos" nos eixos !!! (ou noutro sítio que agora não digo !!!)”, sugeriu o docente, no fim de um longo texto publicado na sua página pessoal do Facebook. “Ia eu de metro […] e reparo num painel publicitário duma estação acerca duns "Binários" e dumas "Identificações" e que se é o que se acha que é ou que se quer ser e não o que a biologia diz que se é”, começou por contar Paulo Lopes, ironizando: “Enfim, assim umas tretas com umas letras gordas ‘LGBTXYXMNOemaisoraioqueosparta’, muito parecidas com as lenga-lengas daquela gente delirante e radical que até perdeu as eleições mas que não se calam nem por nada e continuam a querer impingir-nos os seus delírios”.
“Acho que esta bosta tem o nome de ‘ideologia de género’ e constitui um dos grandes perigos civilizacionais que teremos que começar a enfrentar”, diz o docente, acusando a Câmara Municipal do Porto, bem como a Metro do Porto, de “difundir e propagandear ideologias”, “associadas a uma franja minúscula do espectro político e que é radical […], intolerante, […] que quer impor as suas distorções sociológicas à força […] e que é cientificamente errada […] e que é disruptiva de uma sociedade sã, contribuindo para uma decadência civilizacional que já é largamente visível […] e que somente floresce nas mentes doentias duma minoria […] e que na verdade está associada a pessoas profunda e mentalmente perturbadas”, conforme se pode ler no texto.
Confrontado pelo Nascer do Sol, não foi possível obter qualquer resposta por parte de Paulo Lopes.
Com o Nascer do Sol falou, no entanto, uma ex-aluna do Departamento de Física da UA, que disparou: "Como ex-aluna, deixa-me absolutamente sem palavras que isto tenha acontecido de forma repetitiva. Numa Universidade que promove abertamente a tolerância, a liberdade e a igualdade sem disccriminação, é muito triste e revoltante que deixem que alguém com um comportamento destes se mantenha em atividade sem algum tipo de consequência".
"Se não havia fundamentos para tomar algum tipo de ação, certamente havia fundamento para manter um olho aberto em relação a esta situação dados os acontecimentos do ano passado", continuou a ex-aluna, argumentando que "estas coisas devem ser sempre denunciadas e não podem passar sem consequências, principalmente quando falamos de alguém que tem impacto na educação superior dos alunos". "Porque eu, se tivesse conhecimento desta posição discriminatória do professor na altura em que tinha de lidar semanalmente com ele, também não me teria sentido confortável na sala de aula", concluiu.
Primeiro caso
Portugal viveu, recentemente, vários casos de polémica em torno de professores universitários que ficaram sob os holofotes das redes sociais e da comunicação social após proferirem comentários considerados ‘discriminatórios’. Foi o caso do professor Manuel Eduardo Correia, da Universidade do Porto, que foi acusado de discriminação contra a comunidade transexual, após ter dito, no Twitter, que a comunidade transexual é composta por “doentes mentais, com prognóstico muito reservado”. O comentário surgiu em resposta a uma publicação de Catarina Maia, professora convidada da Faculdade de Ciências e dirigente da Iniciativa Liberal, que argumentava que o Plano de Igualdade de Género recentemente adoptado pela Universidade do Porto é baseado em "pseudociência" e que nem sequer respeita "as regras gramaticais do português em que o género masculino é o inclusivo". A Universidade do Porto não avançou, no entanto, com qualquer inquérito ou processo, argumentando não existirem bases “para iniciar procedimento disciplinar no âmbito da legislação laboral aplicável”.