Nem sei como começar a escrever esta crónica. Corria o ano de 2020 e Valentina Fonseca, de dez anos, seria morta barbaramente pelo seu progenitor e deixada para morrer, depois de torturada com água a ferver e na presença dos seus irmãos. A causa da sua morte, «foi devido a contusão cerebral com hemorragia subracnoideia».
Este crime, que fez parar Portugal, revelou na altura, a inércia da comunidade que sabia que Valentina era uma criança pouco desejada, tanto do lado materno como paterno. Sinalizada por ter fugido da casa do progenitor a meio da noite. Os seus gritos mudos, não foram o suficiente para a salvar. Lembro-me que estávamos em maio, fiquei fisicamente doente, por esta criança ter sido abandonada por todos, comunidade, a comissão de proteção de menores, e quem devia amá-la e protegê-la. O Dia da Criança, serviu de bandeira para a criação de uma petição muito especial. Nesse dia, foi criada a petição para que as crianças que estejam inseridas em contexto de violência doméstica, sejam consideradas vítimas. Algo que em 2021 foi considerado lei. Estamos em junho de 2022, e Jéssica, uma bebé de três anos, é espancada até uma pré morte, por um casal e a sua filha, depois da sua progenitora contrair uma dívida, por serviços de bruxaria. Progenitora essa que tem seis filhos, e nenhum vive com ela. E já tinha sido investigada por maus tratos. A pequena Jéssica, também ela, uma criança ignorada, pela comunidade, que sabia que a mãe lhe batia, lhe fazia passar fome, e não tratava da sua higiene. Existia uma «sinalização por violência ocorrida entre os progenitores, ocorrida na presença da criança». Tanto Jéssica e Valentina cresceram no meio da negligência e violência doméstica.
Parece que ninguém quer saber das crianças invisíveis, nem da violência doméstica. Jéssica tal como Valentina, estava sinalizada. A verdade é que é necessário mais que um abanar de consciências, tanto por parte da comunidade vigilante que é responsável também por aquilo que assiste, mas muito mais por parte das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens que não têm problema nenhum em elaborar relatórios a diminuir casos de violência doméstica, no entanto quando se trata destas crianças invisíveis parecem despachar rapidamente o assunto!
Do caminho feito entre Valentina e Jéssica, a lei mudou, mas só muda realmente, quando os seus executantes, a puserem em prática. E a verdade é que temos duas crianças, ambas sinalizadas, ambas torturadas, ambas mortas, ambas entregues à uma sorte, que nenhum país que se considere desenvolvido se pode orgulhar. Estamos a pecar por tardio, por palavras parcas, para uma violência sem fim e com uma violência extrema contra as nossas crianças!
Quando é que a proteção de todas as crianças se torna uma realidade possível? Iremos nós, continuar calados ao ver tamanha negligência nefasta, ou continuaremos a deixar morrer crianças para não nos chatearmos? Se cada pessoa que quis matar aquela progenitora tivesse reportado a situação da pequena Jéssica, provavelmente, ela ainda estaria connosco e esta progenitora seria responsabilizada pela sua negligência!