A invasão russa na Ucrânia não tem fim à vista, mas já se pensa na reconstrução. Representantes de quase 40 países e mais de 20 instituições dirigiram-se a Lugano, na Suíça, esta segunda-feira para preparar uma espécie de plano Marshall para a Ucrânia. Claro que, naturalmente, os detalhes ainda são nebulosos, estando cerca 20% do território ucraniano nas mãos dos invasores, incluindo zonas estratégicas como quase toda a costa com o Mar Negro. Estando o Kremlin ainda a avançar, tendo celebrado a conquista de Lugansk no domingo (texto ao lado), ocasionalmente bombardeando com mísseis de longo alcance cidades bem distantes da linha da frente.
Só os estragos a nível de destruição de infraestrutura causados pela invasão russa, até agora, são estimados no equivalente a quase cem mil milhões de euros pela Kyiv School of Economics. Houve a perda de 45 milhões de metros quadrados de habitações, 256 empresas, 656 instituições médicas e 1177 instituições de ensino, estando as forças do Kremlin – que têm tido dificuldade em reabastecer os seus arsenais de armas teleguiadas – a recorrer cada vez mais a bombardeamentos massivos, indiscriminados, ao estilo da II Guerra Mundial.
Some-se a isso perdas humanas, os cuidados que serão necessários uma geração de feridos, mutilados ou traumatizados, e vemos que a Ucrânia tem pela frente um desafio “verdadeiramente colossal”, que requererá “investimentos colossais”, salientou Volodymyr Zelensky, citado pela France Press. “E ainda temos de libertar mais de duas mil aldeias e cidades no leste e sul da Ucrânia”, lembrou o Presidente ucraniano.
Claro que, apesar da unidade mostrada pela NATO e pelos restantes aliados da Ucrânia, nos bastidores começa a pensar-se de onde poderão sair os fundos para a reconstrução. Uma hipótese colocada em cima da mesa seria utilizar os fundos soberanos russos congelados pelo Ocidente, como se fosse uma espécie de indemnização não-voluntária.
No entanto, não só não é claro que mecanismos legais poderiam ser usados para tal, como se estima que o valor destes fundos ande entre o equivalente a 200 a 300 mil milhões de euros. É muito dinheiro, sim, mas o custo total da reconstrução, ao longo da próxima década, deverá estar na ordem dos biliões, avisou o presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), Werner Hoyer, citado pela Reuters em maio.
A situação ainda se deverá agravar mais. Este conflito virou uma guerra de atrito e “é óbvio que degradar a economia da Ucrânia é parte do plano da Rússia”, considerou Therese Raphael, colunista da Bloomberg.
Estando tanto Moscovo como Kiev decididos a não ceder território, as negociações de paz ficarão em banho-maria. Havendo grandes receios que a guerra vire um conflito congelado. Ou seja, que as hostilidades vão diminuindo, mas sem nunca cessarem, arrastando-se. A Rússia é especialista nisso, como vemos na Geórgia, através dos separatistas da Ossétia do Sul e Abkhazia, ou na Moldávia, com a Transnístria. A própria Ucrânia sabe bem o que isso é, tendo-o vivido desde a guerra de 2014, contra os separatistas de Donetsk e Lugansk, que esporadicamente trocavam fogo de artilharia com forças ucranianas através da fronteira. Um horror que virou quotidiano, a que os locais chamavam de “badminton”.
Contudo, “para atrair investimento a sério outra vez, obviamente que os investidores precisarão de se sentir seguros quanto aos ataques de artilharia russos”, apontou Raphael. Também serão necessárias reformas, sobretudo a nível do combate à corrupção, para que os aliados da Ucrânia saibam onde é que o seu dinheiro vai parar. “Esta agenda parece muito semelhante ao que doadores internacionais, a União Europeia e o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento já queriam antes da guerra”, continuou a colunista da Bloomberg.
Mesmo estando a perspetiva da reconstrução distante, começar a planear é crucial, apontou Robert Mardini, diretor-geral do Comité Internacional da Cruz Vermelha, uma das organizações presentes na conferência de Lugano, ao canal suíço RTS. Nem que seja por dar “uma perspetiva positiva a civis que perderam as suas casas, que se estão a debater com incerteza quanto ao futuro”, explicou.