Boris Johnson, cuja popularidade se afundara devido a sucessivos escândalos, tornara-se uma vulnerabilidade eleitoral para os conservadores. E estes correram com ele na quinta-feira, forçando o primeiro-ministro a abdicar do cargo com uma onda de demissões no seu Governo. Foi iniciada por dois dos grandes rivais internos do primeiro-ministro, os ministro da Saúde, Sajid Javid, e o ministro das Finanças, Rishi Sunak, que anunciaram a sua decisão na noite de terça-feira, com meros minutos de diferença.
Não que o escândalo que serviu de gota de água – a descoberta que Jonhson sabia que Christopher Pincher era alvo de alegações de assédio sexual, inclusive contra outros dirigentes políticos, e mesmo assim nomeou-o como n.º2 da sua bancada parlamentar – seja considerado o mais grave a atingir o primeiro-ministro. A sua lista de escândalos é longa, estando em lugar de destaque o Partygate, a descoberta de que o Executivo de Johnson quebrara sistematicamente o confinamento contra a covid-19 que impusera ao resto dos britânicos.
Após o Patygate, uma sondagem da JLPartners, de abril, até mostraria que a palavra mais usada por eleitores para descrever Johnson era “mentiroso”. A dúvida não é tanto porque é que os dirigentes conservadores só descobriram isso agora. Mas sim porque é que acharam que este seria o melhor momento para agirem contra Johnson.
“Dentro da lógica que existe dentro do partido conservador, isso também me apanhou de surpresa”, admite ao i Bruno Santos Fonseca, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), que se está a especializar na política britânica. “Houve tantos escândalos e só agora avançarem para renuncias em catadupa… Não vejo grande motivo, porque todos os outros escândalos, em comparação, foram maiores”.
Talvez se trate do culminar de uma lenta ofensiva interna contra Johnson. Ainda o mês passado este sobreviveu perante uma moção de censura do seu partido, tendo 211 deputados do seu lado e 148 contra, algo que teoricamente o deixaria seguro durante pelo menos um ano. Mas o comité 1922, que representa os deputados conservadores fora do Governo, ponderava alterar essa regra, expondo o primeiro-ministro, avançara a imprensa britânica.
Outro fator pode ser a humilhante derrota sofrida pelos conservadores nas eleições intercalares de 23 de junho. Nestas eleições, habitualmente vistas como um teste importante, os conservadores obtiveram um dos seus piores resultados desde a II Guerra Mundial.
Só nos círculos de Tiverton e Honiton, no sul de Inglaterra, considerados bastiões seguros para os conservadores, estes perderam uns 30% dos seus votos para os Liberais Democratas, que saíram vencedores. Fazendo soar todos os alertas no seio dos dirigentes do Partido Conservador, subitamente conscientes que a sua maioria poderia não sobreviver caso se mantivessem sob a liderança de Johnson.
Não é por acaso que, no mesmo dia em que o primeiro-ministro anunciava a sua demissão, ativistas conservadores já começavam a distribuir materiais de campanha gabando-se disso “Ele está fora!”, lia-se por cima de uma foto de Johnson, em letras garrafais, num panfleto visto pelo Independent e distribuído por candidatos conservadores una eleições intercalar, marcadas para a semana.
Já o primeiro-ministro, na sua despedida, à porta do nº 10 de Downing Street, tentou explicar porque insistiu tanto em manter-se no poder, apesar da sua crescente impopularidade. “Pensei que era o meu trabalho, o meu dever e a minha obrigação para com vocês”, explicou. Não que o público britânico concordasse. Na noite em que Javid e Sunak se demitiram, quase 70% dos britânicos exigiam que Johnson saísse do seu posto, mostrava uma sondagem rápida da YouGov, e mesmo entre eleitores conservadores só 33% queriam que este ficasse.
“Quero que saibam quão triste estou de abdicar do melhor trabalho do mundo”, lamentou o primeiro-ministro demissionário. Mas “ninguém é remotamente indispensável”, admitiu.
Agora, já se prepara a corrida para o substituir, tendo Johnson prometido que o processo se deverá iniciar para a semana.
Entre os favoritos a próximo líder dos conservadores – e, dado este ser o partido mais votado, também do Reino Unido – está o próprio Sunak e o ministro da Defesa, Ben Wallace. Outros nomes são dados como possibilidades, incluindo Javid, bem como a Liz Truss, a ministra dos Negócios Estrangeiros, ou o antecessor desta, Jeremy Hunt.
Já em Bruxelas, certamente que muitos respiram de alívio com a saída de Johnson, que ameaçava quebrar o acordo estabelecido quanto ao regime económico da Irlanda do Norte – uma manobra vista como uma tentativa de apaziguar a ala mais eurocética do seu grupo parlamentar – e reabrir as discussões em torno do Brexit. Contudo, talvez seja um alívio momentâneo. Basta olhar para a lista de potenciais sucessores para perceber que, na sua maioria, não têm posições muito distantes do primeiro-ministro demissionário quanto ao assunto.
Talvez onde se vá sentir mais saudades de Johnson, mais do que em Westminster, seja em Kiev. O primeiro-ministro demissionário forjara uma forte relação com Volodymyr Zelensky, mostrando-se um dos mais entusiastas defensores de uma posição dura quanto a Moscovo, tornando o Reino Unido um dos maiores fornecedores de auxílio militar à Ucrânia.
Os críticos de Johnson explicavam esta sua posição como uma forma de distrair o público britânico dos seus escândalos domésticos – tendo este inclusive repetido como era fútil estar preocupado com as festas em Downing Street enquanto a Ucrânia era invadida. No entanto, seja como for, naturalmente que ao Governo ucraniano importava pouco o Partygate, desde que a ajuda chegasse.
“Não temos dúvidas de que o apoio do Reino Unido continuará, mas a sua liderança pessoal e carisma tornaram-no especial”, declarou o Presidente da Ucrânia, dirigindo-se a Johnson. “Todos nós recebemos esta notícia com tristeza”, garantiu.