Por João Cerqueira
Frequento a Casa\Museu de Serralves desde a sua fundação. Enquanto estudava História da Arte na FLUP visitava-a todos os meses. Quando escrevia crítica para a revista Arte Ibérica conheci o Professor Fernando Pernes e Vicente Todolí; e, numa dessas visitas, vi Claes Oldenburg a observar as suas gigantescas esculturas recém-colocadas no parque da instituição.
Após uma longa ausência, regressei há dias a Serralves. Entre outras exposições, destacavam-se a do artista chinês Ai Weiwei, do brasileiro Leonilson, do libanês Tarek Atoui, da portuguesa Ana Jotta e do francês David Douard. Como por vezes me acontece, apreciei mais os jardins de Serralves – onde estão as obras de Ai Weiwei e um passadiço sobre as árvores – do que as exposições no museu. E foi ao passear pelo exterior que descobri, na zona onde os jardins se transformam em quinta, um enorme porco – ou seria uma porca?
Talvez devido a um sentimento próximo da desilusão gerado pela ausência de impacto emocional, ou intelectual, ou outra coisa qualquer, das obras expostas, ocorreu-me que Serralves poderia efetuar uma performance nunca vista no mundo da arte contemporânea usando a sua matéria-prima: o porco (ou porca). Estou a pensar em algo semelhante às obras do austríaco Hermann Nitsch que, inspirado nos antigos rituais com sacrifícios e na própria crucificação de Cristo, colocava homens e mulheres nuas a rebolar em sangue, carcaças e vísceras de animais em orgias terroríficas – ver no YouTube.
Como tal, sugiro que Serralves faça uma matança do porco ou da porca dentro do museu. Na sala principal, onde se espera que as paredes brancas de Siza Vieira fiquem a escorrer sangue. Além do desejável choque brutal inerente à arte contemporânea, a matança religará a instituição às tradições populares e poderá ainda ajudar a equilibrar as contas do restaurante. Portanto, não se tratará apenas de uma performance arrebatadora, mas também de um ato de gestão destinado a aproveitar os restos da obra.
E, para tal, convida-se um grupo de senhoras de Perre especialistas em fazer chouriças que, munidas de alguidares, sacos de cebolas e pimentão, começarão imediatamente a trabalhar mal o sangue esguiche. E se enquanto encherem as chouriças soltarem uns palavrões, então teremos um toque folclórico e multicultural que enriquecerá ainda mais a obra.
No fim, vendem-se as chouriças e as febras do porco no restaurante.
Porém, para que este ritual seja genuíno é necessário envolver na matança os administradores de Serralves. Serão eles quem irá segurar no porco (a) enquanto o diretor Philippe Vergne lhe espetará o facalhão no pescoço. A falta de experiência destes intelectuais será neste caso uma mais-valia para o espetáculo porque os espetadores poderão assim estabelecer um paralelismo entre a angústia do bicho e o pavor dos seres humanos que o querem matar. Conceitos como a proximidade entre homens e animais e o sentido escatológico destes emergirão.
E se por acaso, como por vezes sucede nas matanças, o porco (a) se libertar e morder alguém, não deverá haver problema pois suponho que todos os participantes, à exceção do bicho, têm seguros de saúde privados.
Contudo, esta obra de arte não ficaria completa sem a presença de ativistas do PAN, do BE e do Conselho Português para a Paz e Cooperação, assim como de veganos radicais e da Dra. Isabel do Carmo. Todos juntos a erguer cartazes «O porco é senciente», «Salvem o porco do Capitalismo», «Não à NATO», «Não comemos carcaças», a soprar cornetas, a tocar tambores e a fumar charros, fazendo um chinfrim ainda maior do que os guinchos do animal. Será também desejável que haja confrontos entre os manifestantes e os seguranças de Serralves; o porco, caso se solte, os morda por engano; e a Dra. Isabel do Carmo estoure uma bombinha de Carnaval. Mas, verdadeiramente radical, pela quebra de estereótipos e pelo questionamento do papel do ativista, seria um deles esgueirar-se até à cozinha e provar uma febra de porco.
Porém, para que esta obra atinja também os problemas mais recentes do país e alcance a sua plenitude política, deveria contar ainda com a presença da Ministra da Saúde Marta Temido, que obviamente também protestaria contra a matança – mas sem fumar charros –, cujo caos sanguinolento a prepararia para entrar nas urgências dos hospitais públicos. E, num final apoteótico, Pedro Nuno Santos entraria por ali dentro de Maserati e anunciaria que o novo aeroporto de Lisboa seria, afinal, na quinta de Serralves.
Com esta matança bárbara, horripilante e pornográfica, Serralves será projetado para os píncaros do vanguardismo do século XXI. E depois, tendo em conta os benefícios para o restaurante, o encontro da tradição com a modernidade e as necessidades de adrenalina dos ativistas, poderão transformar uma das salas do museu num matadouro e começar a abater os bois e as ovelhas que pastam na quinta.