Obviamente, demita-se!

A postura de Pedro Nuno Santos é diametralmente oposta à de António Costa, que nasceu para mero gestor. Costa não quer mudar: só quer estar no poder…

Por Nuno Cerejeira Namora, advogado especialista em direito do trabalho

Independentemente do critério que se adote, o Governo deu, na passada semana, pelas mãos do primeiro-ministro e do ministro Pedro Nuno Santos, um vergonhoso espetáculo de incompetência e desfaçatez. O que surpreende não é tanto dar-se à estampa em Diário da República um despacho que poucas horas depois haveria de ser revogado. Nem tampouco choca que a (in)decisão acerca da solução aeroportuária para a região de Lisboa permaneça hoje tão envolta em nevoeiro quanto antes. Afinal, quem espera mais de cinquenta anos pode esperar um pouco mais, para aquilo que é uma obra sebastiânica. 

O que verdadeiramente aflige nesta história é a aparente absoluta descoordenação (e desgovernação) que grassa no seio do executivo, fazendo lembrar, como alguém disse, as reuniões da associação de estudantes do liceu. A diferença fundamental é que estes protagonistas não são miúdos, embora se comportem como se o fossem. 

Neste caso há dois planos distintos: o da solução e o da comunicação da solução. Quanto ao primeiro, creio não existirem quaisquer dúvidas de que António Costa estava informado acerca da opção técnica «para o Montijo rapidamente e em força» e para Alcochete quando o Montijo esgotar a capacidade. Além do primeiro-ministro, parece que todos os interessados estavam também informados acerca da solução. Ora, o facto de o Governo ter já preferência por uma determinada solução técnica e política para o futuro aeroporto, opção essa que andou a cochichar aos ouvidos de uns e de outros, demonstra a petite sonsice do primeiro-ministro, que andou a vender publicamente um grande consenso nacional com o PSD, quando já tinha a solução alinhavada e o despacho minutado. 

E eis que entramos no segundo plano: o da comunicação da solução. Só aí António Costa e Pedro Nuno Santos estão em total dessintonia: o primeiro não pode perder a face e ser apanhado numa flagrante mentira que seria mais do que capitalizada pela oposição; o segundo, impaciente, impulsivo e histérico, num mês de caos no Aeroporto Humberto Delgado, quer ficar para a história como um homem de decisões e de ação. E só neste ponto a história parece não estar bem contada: julgo improvável (para não dizer impossível) que Nuno Santos tenha avançado com a publicação daquele despacho sem uma palavrinha prévia a Costa e, aqui, das duas uma: ou algum deles não percebeu bem as intenções do outro, ou o primeiro-ministro criou um caso político para humilhar e desautorizar o seu ministro, mostrar quem manda, e desviar as atenções dos reais problemas do país. A primeira hipótese revela incompetência; a segunda, mais grave, é de um calculismo político ao alcance de poucos. 

A cena acabou (?) em ‘bem’, com Costa a perdoar Nuno Santos, que teve o seu ato público de contrição sem, todavia, se demitir. Ora, o grande problema não é que esta «falha de comunicação» não tenha levado à saída do ministro. O grande problema é que ele não lá devia de estar desde o princípio, porque não pertence a este executivo. Quer se goste ou não de Pedro Nuno Santos, da sua ideologia ou do seu estilo, ninguém poderá negar que ele, indo contra tudo e contra todos, é um fazedor. Ou um destruidor. Esta postura é diametralmente oposta à de António Costa, que nasceu para mero gestor. Costa não quer mudar: só quer estar no poder. 

Citando Ortega y Gasset, o «poder público encontra-se nas mãos de um representante das massas. São donas do poder público de forma tão incontrastável e superlativa que seria difícil encontrar na história situações de governo tão prepotentes como estas. E, no entanto, o poder público, o governo, vive o dia a dia; não se apresenta como um porvir franco, não significa um anúncio claro de futuro, não aparece como começo de algo cujo desenvolvimento ou evolução resulte imaginável». 

Em suma, o Governo vive sem programa de vida, sem projeto. O seu plano, que não é nenhum, é esquivar se do conflito de cada hora, adiando-os para a hora seguinte, e justificando se não com o futuro, mas com o presente, com as circunstâncias ou a conjuntura adversa. Goste-se mais ou menos, Pedro Nuno Santos não é rigorosamente assim. Só por isso é tão perigoso para António Costa: o que os separa não é um erro de comunicação; é uma abismal diferença de filosofia política. Estas duas personagens são de tempos e políticas diferentes: um não é nada ou é tudo; o outro é assumidamente de extrema esquerda. Não pertencem e não cabem no mesmo PS e no mesmo Governo. E nunca haverá entre ambos um casamento feliz, pelo que esta teria sido boa ocasião para o divórcio.