1. Tive a sorte de ter nascido e crescido no salazarismo. Foi este pensamento absurdo que me acordou no passado dia 1 de julho.
2. Para dizerem o indizível, os criadores e os estetas chineses praticaram e teorizaram dois mil anos antes do Ocidente o artificio do ‘não dito’: o omitido na literatura, o momento de silêncio na música, o branco na pintura.
Nada mais pode ser dito ou escrito para dizer o indizível a que chegou a situação política e cívica do país. A submissão, a escravidão voluntária da maioria absoluta dos portugueses. Nada pode dizer o desprezo de políticos e governantes pelos cidadãos e o futuro do país. Não sabem, não querem ou não têm coragem para fazer o inadiável. Vão-se embora!
3. Depois de tudo o que logo se percebeu, do desastre do que lhe colocaram nas mãos, do temperamento ‘decidido’ que lhe elogiaram os que não quiseram ver que aquela… pessoa não tem currículo, nem experiência, nem saber para decidir sobre nada que implique o interesse do país. Depois da arrogância obscena do porte, da deselegância da fala e do gesto, o mais ameaçador da sua índole revelou-o agora com a humilhação a que se submeteu.
Imagine-se o perigo que seria, mas não vai ser, um primeiro-ministro assim – no país que já éramos, no resto de país que agora irá ficar. O que mais suportarão os militantes do PS com caráter e lucidez, que seguramente ainda há muitos?
António Costa, ‘o Pio’ ou ‘o Hábil’, perdoou-lhe «só mais esta». Precisa de o usar nas calamidades que aí veem.
4. Tive a sorte de ter nascido e crescido no salazarismo. A sorte de ter sido obrigado pelo regime a crescer na esperança e na revolta que herdei dos meus pais e me alimentou a vida. Com o sonho e a confiança no futuro do país que, vencida a ditadura, seria de liberdade, de cultura, justiça e verdade. Verdade ainda mais importante que a liberdade.
Um Portugal em que imperasse o mérito, a responsabilidade, a simples honestidade, matriz de um homem, condição duma sociedade saudável. Em que imperasse a competência, desde logo auto-exigida, no Governo e na sociedade. Um Portugal em que seriam eleitos e chamados a governar homens competentes e bons, à semelhança das figuras históricas exemplares e daqueles que ainda conheci. E onde estão hoje esses Homens? Partiram todos ou vão-nos deixando. Os raros que ficaram estão cercados ou desistiram. A escola imposta pelos assaltantes da esperança foi acabando com a sua ‘raça’… e com a nossa.
5. Deixámos que nos tirassem tudo, até a pouca riqueza que gerámos, nos anos e anos de «sucessivas vitórias dos trabalhadores», oferecidas ao PCP. ‘Vitórias’ que condenaram os trabalhadores portugueses aos piores salários da UE e o país a leis que obrigam Portugal à mais baixa produtividade da Europa.
E que dizer das chorudas quantias da Europa – humilhantes por serem já de mais –, esfumadas nas aplicações incompetentes e em tudo o resto que se sabe ou legitimamente se adivinha?
Afastaram-nos da realidade da Europa. Europa que desde a minha juventude e depois com Mário Soares sonhei podermos ser.
6. Onde estaria eu se tivesse nascido hoje, neste tempo de servidão voluntária da maioria absoluta que foram fazendo de nós?
O que resta? Esperar por um André Ventura inevitável, mas… que fará então André Ventura?