Sempre que o avô de Pedro Patrício ia caçar, levava consigo os cães, como aquele que é intitulado carinhosamente de «rafeiro de orelha partida» pela família. Sabe-se que, há algumas décadas, quando o avô Ramiro perguntou à mãe do Pedro e do Rui que nome deveria ter aquele animal de estimação, esta respondeu prontamente: «Já Te Disse». E assim ficou, sendo que tanto os familiares como amigos e conhecidos perguntavam a Ramiro como é que se chamava o cão, vezes sem conta, para ouvirem vezes sem conta «Já Te Disse!» e responderem outras tantas «Mas já disseste o quê?».
Ramiro morreu no ano de 1997 devido a um cancro da próstata, mas o legado que deixou jamais foi esquecido.
Principalmente pelos netos que, ainda hoje, recordam com ternura os momentos que viveram com ele, os ensinamentos e valores transmitidos. Por isso mesmo, quando decidiu, para além de ser gestor hospitalar no Hospital da Luz, ser também vigneron, em 2015, viajou até à Borgonha.
Quando regressou, comprou uma vinha de um hectare perto de Estremoz e conheceu o enólogo Joachim Roque. «Se poucos meses antes me dissessem que trabalharia com vinhos, não acreditaria! Não conhecia profundamente o mundo da agricultura e muito menos era a minha área profissional», começa por explicar, em declarações à LUZ, Pedro Patrício, fundador da marca que tem dado que falar nacional e internacionalmente e homenageia o «rafeiro» de que tanto gostava.
«Vim de Borgonha com este sonho de fazer uma vinha exatamente seguindo os princípios de lá: microproduções, vinhas pequenas, vinhos de boutique, como se costuma dizer. São edições limitadas com garrafas limitadas. Consegui ter o direito de plantação de um hectare, que parece coisa pouca. Plantámos pela primeira vez em 2016, o primeiro vinho saiu em 2019 – 1200 garrafas – e vendemos logo rapidamente todas», lembra o produtor do ‘Já Te Disse’, referindo que a empresa se encontra «nas segundas colheitas».
«Tem corrido tudo bem. Felizmente, temos recebido prémios internacionais – por exemplo, há pouco tempo, em Bruxelas, o nosso tinto foi medalha de ouro – e isso tem ajudado imenso», aponta. «A minha área é a gestão hospitalar e não tinha qualquer tradição em vinhos. A minha família nunca esteve relacionada com isto, quisemos homenagear o avô Ramiro, que era caçador e pedreiro, e aquilo que sinto é que Portugal ainda é um país dominado pelos grandes produtores, por quem faz vinho em larga escala», confessa.
«Essa tem sido, talvez, a dificuldade maior porque também somos uma marca nova. Para além disso, optámos por um nome completamente fora da caixa e as garrafas não são baratas. Em termos de reconhecimento, é mais difícil acontecer cá do que lá fora», acrescenta, mencionando, em tom jocoso, que a maioria dos vinhos é intitulada de ‘Herdade Qualquer Coisa’ e não esperava que o ‘Já Te Disse’ crescesse tão depressa no mercado e conquistasse os consumidores.
«Eu e o meu irmão Rui somos donos da propriedade, mas a produção é minha. Ele ajuda-me imenso, mas não temos mesmo nada a ver com a área agrícola. Consigo conciliar tudo porque esta é uma paixão enorme e, como se costuma dizer, ‘quem corre por gosto não cansa’. Sempre ouvi dizer que ‘o vinho nasce no coração’ e achava que era um exagero.
No entanto, apaixonei-me pelo vinho, pelas uvas, pelas fermentações, pela vindima… Por todo o processo!», exclama, com entusiasmo. «E, felizmente, conheci o Joachim Roque, ele tem uma empresa em Estremoz e acaba por fazer a prestação de serviços toda durante o ano inteiro e vou lá todos os fins de semana. No resto dos dias, controlo tudo à distância».
«O objetivo nunca será fazer grandes produções, mas sim pouco vinho e bom. Por exemplo, este fim de semana fizemos a monda de cachos e metade das uvas foi para o chão! Vai concentrar muito mais o açúcar e a maioria dos ingredientes», narra Pedro, esclarecendo que a herdade tem três castas plantadas: Alicante Bouschet, com origem em Languedoc, tintureira (cor intensa), contendo frutos vermelhos e taninos.
«Estabeleceu-se no Alentejo há muitos anos e permite vinhos de grande qualidade», indica Pedro; Petit Verdot, com origem em Bordéus, com frutos vermelhos, especiarias, mentol e violeta, taninos e cor intensa, sendo que se trata de uma «casta pouco utilizada na região, que foi conquistando uma nova nacionalidade ibérica» e, por fim, Syrah, de Côtes du Rhône, com frutos silvestres, mentol, pimenta, violeta trufa e taninos suaves, constituindo «uma casta mais flexível, podendo ser encontrada em todo o mundo».
«O Petit Verdot era a minha preferência, mas o Joachim Roque explicou-me que é muito sensível e tem de estar plantado entre castas. Por isso, plantámos três, o que é, manifestamente, muito para a dimensão do terreno», observa o proprietário do terreno que também produziu azeitonas e cujo olival da variedade Picual deu origem a um azeite diferenciado.
«Só o produzimos durante o primeiro ano. É muito bom, mas tenho falta de tempo. Trata-se de um mercado completamente diferente, a distribuição também é distinta, e preferi ficar pelo vinho. Pelo menos, inicialmente, porque quase todos os produtores que conheço começaram como eu: por pouco, percebem que as coisas correm bem e foram comprando mais terrenos. Mas eu não quero isso, desde o início que decidi ficar apenas com este hectare», realça, salientando que os rótulos que conferem uma ‘imagem de marca’ ao ‘Já Te Disse’ foram desenhados por Siza Vieira.
«Através de clientes do meu irmão, conheci-o e ele adorou a história! Principalmente, a parte do meu avô e do cão. Então, ofereceu-se para desenhar o cão, mas acabou por desenhar também o caçador! Assim, quando as pessoas compram as garrafas, escolhem qual é que querem. Há quem compre logo duas para ter os rótulos diferentes, mas também há quem não se importe com isso e queira é beber o vinho!», afirma, brincando, elucidando que o vinho, até ao início do outono passado, somente podia ser adquirido online, mas agora é facilmente encontrado em restaurantes, garrafeiras internacionais e no Club del Gourmet do El Corte Inglés.
Todavia, quem compra mais são os estrangeiros que residem em território nacional, como franceses, ingleses e brasileiros. Deste modo, o site oficial está disponível em quatro línguas – português, francês, inglês e chinês -, até porque o vinho chegará cada vez mais longe. «Quando o meu avô era vivo, eu era muito jovem e nunca me passou pela cabeça fazer vinho. Mas, hoje, ainda me recordo, como se fosse ontem, de ajudar a minha avó a cuidar dele. Por exemplo, a fazer-lhe a barba e a dar-lhe banho, e sei que ele ficaria muito contente com este projeto», admite, visivelmente emocionado, Pedro, constatando que não é nas adegas nem com o ‘Já Te Disse’ que aprende, mas sim provando os vinhos produzidos pelos colegas.
«Em 2018, estive duas semanas na Nova Zelândia e foi uma grande escola para mim. As vinhas são espectaculares, parecem quase um jardim, e tento seguir esse modelo no meu terreno!», remata, evidenciando a importância de Joachim Roque e da equipa que lidera assim como de um funcionário, «uma espécie de caseiro», que acabam por ser os seus olhos quando está em Lisboa e fisicamente longe de Estremoz. «Lá, não fazemos provas. Quero dizer, oficiais, porque combinamos com pessoas em restaurantes e queremos saber aquilo que acham que devemos melhorar!».
«Tenho quatro filhas. Uma é muito pequenina, mas as três mais velhas acompanharam todo este processo e ajudam-me.
Por exemplo, dizem-me ‘Pai, aquele cacho não está bom, tem de ir para o lixo!’. Acham muita graça a todo o processo, principalmente, ao facto de todas as garrafas serem numeradas. E eu gosto que elas gostem disto!», finaliza.
Em jatedisse.com, uma garrafa de vinho branco pode ser adquirida por 39,50eur., uma de Rosé por 33 eur., uma de Alicante Bouschet por 98,50eur. e uma de tinto por 84,90eur., podendo os consumidores adquirir conjuntos como o ‘Família e Amigos’ por 414eur.