“O legislador deveria dar atenção especial aos endereços IP de origem das comunicações”

Enquanto o PS mantém a conservação dos dados por seis meses, mas acesso judicial só por três, o PCP, o PSD e o Chega têm propostas distintas.

O diretor nacional da Polícia Judiciária, o presidente da ANACOM, a Comissão Nacional de Proteção de Dados e a Provedora de Justiça estão incluídos na lista de entidades – aprovada esta quarta-feira – que serão ouvidas pelo grupo de trabalho dos metadados. “É importante que o processo legislativo seja acompanhado por um grupo de trabalho como o que foi formado para se recolherem diferentes perspetivas e contributos para uma lei que, pela sua extrema importância, se quer sólida e bem sustentada, no plano constitucional e do direito da União Europeia (UE)”, explica ao i David Silva Ramalho.

“Creio que não haverá grande discussão quanto às questões acessórias relativas à necessidade de se criarem mecanismos de notificação dos titulares dos (meta)dados que venham a ser acedidos no âmbito de uma investigação criminal, e que não há grandes dúvidas quanto à necessidade de os dados serem armazenados dentro da UE, embora possa haver discussão sobre a possibilidade de o MP aceder a endereços IP”, esclarece o advogado e associado principal na equipa de Contencioso Criminal, Risco e Compliance da Morais Leitão.

“A questão principal a discutir consistirá na opção pela criação de um regime de conservação de dados de tráfego e/ou de localização, ou seja, de um regime que obrigue as operadoras de comunicações a conservar dados que de outro modo não conservariam, ou pela mera criação de um regime específico para acesso aos dados que as operadoras de comunicações tenham armazenados para fins de faturação”, acrescenta o profissional especializado em cibercrime e prova digital.

Importa lembrar que, no passado mês de maio, o_Executivo aprovou uma proposta de lei para regular o acesso a metadados das comunicações eletrónicas. Volvidos dois meses, constata-se que todas as audições foram aprovadas por unanimidade, sendo que o BE e o PCP decidiram não apresentar qualquer requerimento para ouvir entidades, acompanhando, porém, os pedidos das restantes forças políticas.

Assim, será ouvido o diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, e o presidente da ANACOM, João Cadete de Matos, a pedido dos socialistas, um requerimento que já tinha sido aprovado por unanimidade numa reunião do início do mês corrente. Por outro lado, a audição da Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, e do advogado Paulo Sá e Cunha foi solicitada pelos sociais-democratas.

 

PS versus PCP, Chega e PSD?

“A proposta de Lei do PS segue esta última opção que mencionei e abdica, portanto, pelo menos formalmente, da criação de um regime de conservação de dados. Em contrapartida, alarga o leque de dados que considera necessários para a faturação – incluindo dados que me parece discutível que sejam efetivamente necessários para fins de faturação –, aí passando a incluir os endereços IP, permitindo que sejam conservados até 6 meses, o que os tornará acessíveis para a investigação de um conjunto alargado de crimes durante esse período”, avança Silva Ramalho, pós-graduado em Direito e Cibersegurança e mestre em Ciências Jurídico-Criminais.

“A eficácia desta proposta depende de os dados em causa serem, efetivamente, necessários para fins de faturação, sob pena de as operadoras de comunicações não terem qualquer razão para os conservarem e, consequentemente, de estarem indisponíveis para a investigação”, elucida, afirmando que “os projetos do PCP, Chega e PSD seguem caminho inverso e propõem a criação de prazos de retenção de dados, de duração variável, que poderão encontrar obstáculos na jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) e do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)”.

“Parece-me que o legislador deveria atentar na jurisprudência do TJUE, particularmente no acórdão Quadrature du Net, e dar atenção especial aos endereços IP de origem das comunicações, que podem ser objeto de conservação, desde que os dados sejam conservados no seio da UE”, diz Silva Ramalho, considerando que “estes dados são fundamentais para a investigação criminal e, por revelarem menos informação sobre os seus titulares, admitem tratamento diferenciado”.

“Os restantes dados podem ser objeto de um regime autónomo, que siga um dos modelos em causa, sendo que me parece que o do PS oferece menos riscos de ser considerado contrário ao direito constitucional ou da UE, pelo menos no que à conservação de dados respeita”, finaliza o advogado que, há dois meses, em entrevista ao i, depois de o TC ter voltado a vetar normas sobre o armazenamento de metadados para uso em investigações criminais, explicou que universo é este e que impacto pode ter a decisão, alertando igualmente para o risco de maior litigância em processos em curso na justiça e para a importância de alguns destes dados, quer em acusações, quer na defesa.