O verão tem sido muito simpático para Miguel Araújo, que, depois de 10 anos nos Azeitonas, cimentou-se como um dos principais nomes da música nacional. O cantautor da Maia tem sido muito bem recebido nas cidades por onde passou, ofereceu concertos agradáveis, com um tempinho quente, e, no festival Marés Vivas, não só encantou a audiência, como ainda teve oportunidade de conhecer um dos seus ídolos de infância, Brian Adams.
O músico espera continuar esta senda de bons espetáculos no EDP Cool Jazz, este sábado, dia 23 de julho, onde, com o convidado especial, Rui Veloso, terá a responsabilidade de ser o único cabeça de cartaz português do festival que acontece Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais.
Em conversa, Miguel Araújo abriu o jogo sobre o que acontecerá no concerto de sábado, mas falou também sobre conhecer um dos seus ídolos e sobre como foi realizar a transição de músico de banda para artista em nome próprio.
Depois de dois anos de pandemia, em que estivemos todos fechados em casa, como tem sido o regresso aos festivais de verão?
Tem sido muito bom. A vontade de dar concertos não era só da parte dos músicos, dá para perceber que também é da parte do público. Existe muita euforia e êxtase, mais do que o normal. Está a ser espetacular e eu não falo só pelos meus concertos, o regresso da música ao vivo está a ser uma felicidade total.
É verdade, eu passei estas últimas duas semanas no NOS Alive e no Super Bock Super Rock e parece que o público estava sedento de música, até sabem todas as letras de cor.
Tiveram dois anos para ensaiar. Até os músicos já sabem as músicas de cor (risos).
O regresso aos festivais de verão é também o regresso das maiores loucuras por parte da audiência, já assistiu a algo que estranho este verão?
Para já ainda não, só estive no Marés Vivas, agora vou estar no EDP Cool Jazz e, em setembro, vou estar no festival F. O que mais tenho feito são concertos das câmaras em diversas cidades. Sinto que tem corrido bem, a malta com vontade de mexer a anca e um bom tempo a acompanhar. Mas não tenho visto nada fora do normal, tirando as ambulâncias que estão a passar lá ao fundo, mas isso foi algo que sempre houve (risos).
Se calhar a maior loucura que lhe aconteceu este verão foi ter conhecido o Brian Adams.
Ele é que deve ter enlouquecido, ele é que pediu para me chamar (risos). Foi uma experiência altamente, ele é um ícone da minha infância. Sou do tempo em que a RTP passava música a toda a hora e momento. Lembro-me perfeitamente de o ver no Live Aid, no dia em que fiz sete anos, na emissão de Filadélfia, mas também dos seus videoclips, como na Run To You, em que ele ia buscar a guitarra debaixo de um monte de folhas. Quando era puto, todas aquelas imagens eram muito especiais para mim. Ele também tem outra particularidade, ele não envelheceu um único dia desde essa imagem que tinha dele, está igualzinho, até a voz. Foi um momento muito especial para mim.
Como surgiu esse convite? Ele ouviu o seu concerto e ficou fã?
Eu não sei se ele viu propriamente o concerto, mas o que eu percebi foi que ele foi lá espreitar, viu a malta toda a cantar as músicas e deve ter achado graça. Por isso, convidou-me e pediu se me podia conhecer e eu claro que fui. Lembro-me do camarim estar cheio de lacas e cremes (risos).
Neste caso, a velha máxima de “não conheças o teu ídolo” parece não se ter aplicado, muito pelo contrário.
Ele é um cavalheiro, um gentleman. Foi muito simpático comigo e com todas as pessoas que estavam à minha volta, como o meu filho e os seus amigos. Até devia ser o contrário, tinha mais que obrigação de ser uma vedeta e não é nada assim.
Por falar em vedetas, neste concerto vai ter o Rui Veloso como convidado. Quão entusiasmado está por tocar com um músico que tanto o influenciou?
Apesar de não ser a primeira vez, é sempre uma emoção muito grande. Quando estou em palco e olho para ele, não deixa de ser uma pessoa com quem aprendi muito coisa e que tentava imitar quando era mais novo e o via na televisão. De certa maneira, agora, somos colegas de trabalho e ele tem a gentileza de me tratar de igual para igual, mas ao mesmo tempo eu continuo a ser um fã e ele é um dos meus ídolos. Estes dois fatores em simultâneo fazem com que sejam momentos sempre muito especiais para mim.
Deve sentir-se muito assoberbado quando toca com um ídolo destes. Como é que conseguiu superar esta barreira?
Nas primeiras vezes em que tocámos juntos aconteceu um bocado. Sentia os dedos e a voz mais retraída, mas com o passar dos anos é algo que já não acontece tanto. Agora consigo tirar partido do momento e soltar-me mais.
O que prepararam para os vossos fãs para este concerto?
Vamos fazer quatro ou cinco músicas em conjunto. Não queria estar a revelar muito mais para não estar a dar spoilers (risos), algumas são músicas que, no passado, os nossos fãs já nos ouviram a tocar juntos, tanto em concertos do Rui como nos meus, mas existem alguns momentos que preparámos de propósito para este concerto. Há uma música do álbum do Rui, Alto da Pimenta (1991), que é um disco que eu adoro, que não vou dizer qual é para ser surpresa.
Essa foi uma escolha pessoal?
Sim, nem é das mais conhecidas do reportório do Rui, nem sei se ela a toca ao vivo muitas vezes, mas ele achou boa ideia e por isso vamos fazer um dueto nessa. Num concerto como este, onde nem existem outros portugueses como cabeça de cartaz, faz com que tenha de preparar uma coisa mesmo muito especial e única. Todos os concertos merecem isto, mas não podia deixar de ser assim.
Há pouco falou sobre as suas primeiras memórias do Brian Adams. E do Rui Veloso? Ainda se lembra da primeira vez que o ouviu?
Quando era miúdo não ligava nada a música portuguesa. Só me interessava a música inglesa e americana, era completamente vidrado nisso. Do que conhecia de música portuguesa, não gostava e não dava grande importância. O que achei espetacular no Rui Veloso foi perceber que ele tinha músicas tão boas como as do Eric Clapton ou dos Dire Straits, que eu gostava muito, mas de repente tinha alguém a cantar em português e com alta onda. Não tenho a certeza qual terá sido a primeira música que ouvi dele, talvez a Porto Covo. Mais tarde, quando saiu Mingos e os Samurais, eu tinha onze anos, e foi uma grande revelação para mim. Ouvi esse disco umas quinhentas e cinquenta mil vezes. Ainda para mais falava de muitas ruas que eu conhecia no Porto. As referências geográficas das músicas que eu gostava eram em Londres, em Nova Iorque ou na Califórnia, e de repente havia uma série de referências geográficas de ruas onde eu já tinha andado e achava aquilo muito bonito.
Essa sensação de regionalismo e de falar de locais que conhece foi algo que o inspirou?
Esse é um traço típico da música que eu gosto. Não tem de ser necessariamente portuguesa, mas há muitos compositores que admiro na forma como deixam a sua própria impressão, como o Carlos Tê, o João Monge, até o Chico Buarque ou o Vinícius de Moraes, apesar de não ser português, faz músicas em português. Usar nomes de ruas, de restaurantes, acho que todo esse imaginário ajuda a tornar o lado poético das músicas muito mais interessante. É como costuma dizer o Leonard Cohen: “nunca digas árvore, diz pereira ou eucalipto”.
Não sei se é bem a sua praia, mas o que está a falar faz-me lembrar um bocado a música do David Bruno. É fã do trabalho dele?
A sua música é mágica. Ainda por cima conheço muito bem os sítios que ele está a falar. Não o conheço pessoalmente, mas adoro a música dele. Conheço grande parte dos locais que ele fala, como Miramar, e sempre que ele canta sobre esses locais as suas músicas tornam-se ainda mais especiais.
Como já falámos, neste concerto vai contar com a presença do Rui Veloso. Para um músico que tocou tanto tempo com uma banda, Os Azeitonas, é importante ter agora esta “companhia”?
Apesar de às vezes tocar sem mais ninguém em palco, a maior parte dos meus concertos são com a minha banda, por isso estou sempre acompanhado. Por exemplo, com a Joana Almeirante, que toca guitarra e faz voz na minha banda, estamos quase sempre a cantar durante o concerto. Mas gosto como tenho agora organizados os concertos. Para mim estar em palco é um momento de festa. Não tem que ser de euforia nem de pôr as pessoas aos saltos, é um momento de celebração. E nada melhor do que partilhar com os amigos, adoro, e tê-los comigo em palco. Sempre que posso convido alguém e, apesar de não ser minha amiga, porque ainda não a conheço pessoalmente, mas é alguém que acompanho bastante e que já esteve aqui no festival no dia do Paul Anka, foi a Mimi Froes. Ouvi-a a cantar uma música minha no Instagram e fiquei fascinado, portanto, convidei-a para vir interpretar uma música comigo durante o concerto. O Tiago Nacarato, que toca no dia antes de subir ao palco, também vai dar “perninha”. Adoro ter músicos a tocar comigo e tratar o palco como um local de celebração.
Tocar assim a solo também abriu um novo mar de oportunidades. Qual sente ser a maior diferença entre tocar com os Azeitonas e em nome próprio?
São muitas, para começar o papel que eu desempenho numa coisa e noutra. Nos Azeitonas era apenas guitarrista, só cantava uma música e fazia uns coros, mas estava só preocupado em ocupar o canto esquerdo do palco, apesar de também adorar fazer esse papel. Agora, a solo, de repente o meu lugar é no meio e estou eu a ser o vocalista principal pela primeira vez na vida aos trinta e quatro anos.
Foi algo que estranhou?
Nunca tinha tido esse papel. Foi muito desconfortável durante largos anos. Essa foi a maior diferença. Ao mesmo tempo, nos Azeitonas obrigavam a vestir um fatinho, criar um personagem e isso também não é muito natural para mim. Prefiro subir para o palco com a roupa com que me vesti nesse dia, ainda com o telemóvel no bolso. Nesse aspeto, sinto-me mais relaxado e isso facilita durante o concerto. Mas, entretanto, fui ganhando um maior à-vontade para cantar e estar no lugar central do palco e hoje em dia já estou completamente à vontade e já consigo cantar e tocar bem sem estar nervoso, que foi o que arruinou os meus primeiros concertos (risos).
Sentia que os concertos lhe corriam assim tão mal?
Sentia que não conseguia dar uma coisa em condições e estava só a tocar trinta por cento das minhas capacidades por estar tão nervoso.
E agora? Como estão as suas capacidades?
Agora estão a cento e dez (risos). Tinha um desgosto muito grande de não conseguir tocar como quando estou em casa sem ninguém a ver. Mas agora se estiver em palco sinto que até toco melhor.
Como aconteceu essa transformação?
Houve um momento em 2017 muito importante. Foi quando vi na televisão o Salvador Sobral a cantar no Festival da Canção. A maneira como ele estava só preocupado com a performance e a borrifar-se para o facto de o público estar a gostar ou não. Notava-se isso na maneira dele estar no palco. Não sei se ele é mesmo assim ou não, mas pelo menos foi que me pareceu.
Essa performance ajudou-o a mudar a forma como está em cima de palco?
Fez-me perceber que o melhor que eu tinha para dar ao público é estar a borrifar-me para o que eles querem. Ou seja, fechar os olhos, olhar para baixo e tocar o melhor que eu sou capaz, sem estar preocupado em agradar alguém ou a pensar se as pessoas estão a gostar ou não. Sem estar a olhar para tentar perceber se estou a responder à expectativa generalizada da plateia. Tinha a ideia de que estar em palco era tentar corresponder a essa expectativa e desde que meti na cabeça que tinha era de estar preocupado comigo próprio como se ninguém estivesse ali, foi o melhor que me aconteceu. É daí que vem a música Talvez Se Eu Dançasse, “Talvez se eu dançasse / Como se ninguém me visse”, “Talvez se eu cantasse / Como se ninguém me ouvisse”. Foi nessa altura que criei esta música. Percebi que isso é o mais o mais generoso que eu tenho para dar ao público, estar em palco como se ninguém me estivesse a ver.
E não se preocupar se o fato está ou não amarrotado.
O fato nem era o grande problema, estar demasiado preocupado com a forma se estava a tocar bem, se ia conseguir tocar bem o acorde de sol… Agora que estou a tocar para mim e como se não tivesse ninguém a ver, estou a tocar e a cantar muito melhor, desde há uns cinco anos para cá.
Acha que o público se começou a relacionar mais consigo depois de adotar essa postura mais descontraída?
Talvez. Quem me acompanha sabe que eu em palco não estou com postura de palco, ou seja, não estou a gritar “vamos lá pessoal, agora esses braços no ar”. Até posso fazer isso, mas tem de ser algo que surge naturalmente. Às vezes até posso dançar, coisa que nunca faço na vida real, mas é só se vir a propósito de algo ou se vier de dentro. Quem gosta de me ver ao vivo sabe que pelo menos pode esperar uma total transparência da minha parte. Se estou nervoso nota-se que estou nervoso, se eu estou bem nota-se que estou bem, não consigo ter uma persona de palco, para o bem e para o mal, e acho que isso para quem me segue é fixe.
Já falou de algumas características peculiares deste concerto no EDP Club Jazz, mas vai existir alguma adaptação do set para a história do festival e a sua ligação a este estilo musical?
Eu não sou músico jazz, não vou agora de repente transformar as minhas músicas numa versão lounge só porque estou no Cool Jazz. Isso é problema de quem me contratou (risos). Agora, vou ter é de adaptar para o facto de este ser um concerto onde o público vai estar sentado, eu próprio também vou estar sentado. Vai ser um concerto muito diferente do que aconteceu no Marés Vivas, em que estava tudo em pé e mais eufórico. A setlist vai ser diferente, com outros ritmos e encadeamento entre as músicas. Com o passar dos anos fui adquirindo esta versatilidade de reportório para fazer concertos totalmente diferentes, mas também tenho a experiência para saber que para o concerto aqui é preciso trazer uma atitude e uma performance diferente. Já tinha estado no Cool Jazz, há uns anos, quando o festival ainda era no Parque dos Poetas, não para tocar, mas para ver um concerto.
Qual foi?
Foi um concerto do António Zambujo, que chegou a fazer uns duetos com o Ivan Lins. Já foi há muitos anos, ainda tocava de fato e gravata. Mas foi muito bom vir hoje visitar o recinto, fiquei com uma ideia melhor do que posso ou não tocar este sábado.
Então não nos vai brindar com um solo à Wes Montgomery?
Não, acho que não (risos).