Para além de toda a turbulência geopolítica e dos altos e baixos da relação bilateral com Riade, Washington enviou um sinal claro: o lugar privilegiado da América no Golfo, e sobretudo o relacionamento com a sua maior potência regional, é para manter. Aliás: é para reforçar, apesar da crescente influência chinesa e russa.
Essa demonstração de poder americano tem um lado simbólico. Atentemos ao percurso de Joe Biden. Voou diretamente Telavive para Jeddah, provocando a abertura do espaço aéreo entre Israel e a Arábia Saudita pela primeira vez na história. Desenhou-se nos céus aquele que Biden espera possa vir a ser o arco de estabilidade do Médio Oriente, assente no aprofundamento da relação entre árabes e judeus, entre uma monarquia e uma democracia, entre Riade e Jerusalém. Pode parecer contraintuitivo e até uma heresia histórica, mas, em pleno século XXI, é mais o que une do que o que divide estrategicamente as duas capitais mais importantes na região.
Apesar do problema diplomático em torno da morte de Kashoggi, o presidente americano ultrapassou as resistências e compreendeu que o interesse americano é mais bem defendido com o lançamento de pontes com o líder mais emblemático do Reino da Arábia Saudita e até mesmo da região: Mohammad Bin Salman. (MBS)
Energia. Exploração espacial. Defesa. Estes foram os temas fortes à mesa dos dois líderes.
Na questão energética, a força da Arábia Saudita é evidente, com um plano de transformação radical do Reino que procura nas renováveis um novo modelo de negócio para o país. Biden sabe que a transição energética deve ser feita de forma gradual, porque o mundo não é capaz de mudar de forma tão rápida e o bloco do GCC é crucial neste “turn over”.
MBS foi pragmático e partilhou com Biden as graves consequências de uma rutura energética. No mundo ideal, ocidental, impulsionados pelos mass media e, por interesses privados, muitos são incapazes de compreender que uma transição violenta para as energias verdes não acautela a sustentabilidade e soberania energética das nações. Como aliás bem estamos a ver na Europa, onde potências económicas europeias se vêm dependentes da energia (e dos favores) de Moscovo.
É de realçar o investimento de MBS na área da energia solar e nuclear com a supervisão da administração americana. Relativamente à produção de petróleo, foi feita uma pressão de Biden, de forma a manter um equilíbrio, para não criar grandes disparidades a nível mundial. Uma pressão saudável” antes da grande cimeira da OPEC em Agosto.
Biden terá um problema interno, porque uma das suas prioridades era, e é, a transição energética no seu país.
Na questão espacial, ninguém melhor que os EUA podem servir de guia para o posicionamento desta nova Arábia Saudita, que quer explorar e ser um importante player no panorama mundial.
Na área da defesa, apesar da cooperação não ser propriamente uma novidade, estamos perante a Arábia Saudita de MBS com ambição e musculo reforçado. Riade está a transformar toda a sua indústria militar para se tornar o maior produtor da região a nível de equipamentos de defesa, servindo toda a região.
Não obstante, Biden fez questão de frisar que a Arábia Saudita deve fazer todos os esforços para terminar com a guerra no Iémen que dura já há oito anos.
MBS também não deixou de mencionar a irmandade ao povo palestiniano e, que os interesses deles também saem reforçados com esta visita de Biden.
Ao primeiro dia, MBS esteve com Biden. Ao segundo dia, juntou todos os países estratégicos do GCC + 3 em Jeddah – para além da Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, Qatar, Kuwait, Bahrain, Omã, Iraque, Jordânia e, Egipto.
Ao terceiro dia, o mundo árabe e não árabe compreendeu que uma nova era começou. A ideia é simples: fazer da Arábia Saudita uma potência regional em ascensão e do príncipe Mohammad o seu líder simultaneamente visionário e imperial.