Os atrasos nos aeroportos têm motivado mais queixas dos passageiros, com alguns a estranharem o facto de a duração prevista para os voos variar mesmo quando se trata de idas para os mesmos destinos. Na hora de reclamar por um atraso, a diferença entre o momento em que abriu a porta do avião e hora prevista de chegada é determinante para avaliar se tem direito a ser ressarcido. Sendo que a hora de chegada depende do tempo que está previsto para o voo.
O i soube de casos em que companhias aéreas ajustaram a janela temporal de determinados voos, com os passageiros a interrogar-se se será um subterfúgio para evitar o pagamento de indemnizações por atrasos num momento de pressão nos aeroportos.
Por exemplo, num voo dentro do Espaço Económico Europeu (EEE), que hipoteticamente teria a duração de duas horas, é acrescentada mais uma hora, de forma a que a companhia aérea tenha uma janela de cinco horas para cumprir o voo sem risco de pagar indemnizações por atrasos, isto porque só é obrigada a fazê-lo caso o atraso exceda as três horas a partir da hora prevista de chegada.
Confrontada com a situação, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) diz desconhecer casos flagrantes desta prática por parte das companhias aéreas, mas admite que possa haver alterações da duração dos voos por vários fatores.
“Do ponto operacional é possível. Por exemplo, há voos que têm a previsão de durar duas horas, mas por ter ventos de cauda ou pelo facto da aeronave ser mais potente, podem durar menos tempo. Ou ao contrário, se a companhia aérea trocar para uma aeronave menos potente, o mesmo voo pode demorar três horas”, explica fonte oficial do regulador da aviação civil, reforçando que, o que importa para determinar a extensão do atraso a que os passageiros estiveram sujeitos, é a hora prevista de chegada.
“Se a hora de chegada cai dentro desse período, não importa se há alteração da duração do voo”, continua a mesma fonte, argumentado que “há várias questões do ponto de vista operacional que podem contribuir para um voo durar mais ou menos tempo do que aquele que estava programado”.
Entre as condicionantes que podem prolongar ou encurtar um voo, equacionam-se questões atmosféricas/climatéricas, o tipo de aeronave que vai operar o voo, demoras nas autorizações do controlo aéreo, ou até constrangimentos no embarque.
“É evidente que as companhias aéreas, por salvaguarda, aumentam a duração do voo, pois pode haver atrasos no check-in, no embarque, ou outros constrangimentos. Obviamente que também se acautelam nessa matéria”, reconhece fonte da ANAC, apesar de apenas conceber esta prática se for de forma justificada. “Uma coisa é estarmos a falar de um aumento de uma hora, o que não é exagerado, é legal e dá para estes imprevistos de boarding e de desembarque. Outra coisa é a companhia colocar uma duração de cinco horas para um voo que dura normalmente duas horas. Isso já seria estranho”, constata. Até ao momento não chegou à ANAC nenhuma queixa que tivesse motivado uma averiguação.
Questionada pelo i, a Deco, Associação de Defesa do Consumidor, também disse não ter conhecimento destes casos. Mas confirma que as queixas têm aumentado no geral: desde o início do ano já recebeu um total de 1609 reclamações relacionadas com a aviação. Destas, 412 reportam ao mês de julho.
A Deco destaca ainda que a TAP é a companhia aérea mais mencionada nas reclamações, com o número de queixas a superar as 430. A Ryanair e a EasyJet completam o pódio das companhias aéreas que mais geram queixas por parte dos passageiros, reportando 47 e 59 queixas respetivamente.
Também a AirHelp, empresa especializada na defesa dos direitos dos passageiros de companhias aéreas, dá conta de uma deterioração dos direitos dos passageiros nos aeroportos em relação aos últimos anos, estimando que as companhias aéreas europeias tenham de pagar indemnizações a cerca de dois milhões de passageiros pelos atrasos e cancelamentos registados entre maio e junho deste ano.
Mas como ter a certeza que o voo tem a duração que é suposto ter e que fatores pesaram na sua definição? Não existe informação.
O que pode ter em conta são os critérios para ser indemnizado. Sofia Lima, especialista em assuntos jurídicos da Deco, explica que a legislação europeia estabelece regras comuns relativas à indemnização e assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque, cancelamento ou atraso considerável dos voos.
Relativamente aos casos em que os voos chegam depois do previsto, “a fim de determinar a extensão do atraso a que os passageiros estão sujeitos, existem decisões no que se refere ao conceito de ‘hora de chegada’, que é determinado pelo momento de abertura de pelo menos uma das portas da aeronave”, clarifica. Para esse conceito, considera-se a hora local do destino e não a hora do local de partida.
A Deco disponibiliza um guia para facilitar aos passageiros a resolução de problemas relacionados com as viagens de avião. Caso os direitos dos passageiros não sejam respeitados, deve-se recorrer em primeira instância à companhia aérea do voo em causa ou ao aeroporto. Se a questão não ficar resolvida, os consumidores podem depois reclamar junto do organismo nacional responsável do Estado-membro onde o problema ocorreu.
Em Portugal, a ANAC é o organismo responsável. Outra possibilidade é o recurso ao Centro Europeu do Consumidor. Os passageiros podem igualmente solicitar o apoio de uma associação de consumidores, como a Deco.
Direitos em voos atrasados
Direito à assistência
Em qualquer situação em que exista um atraso no voo (de duas horas, em viagens até 1500 quilómetros; três horas, se forem viagens com mais de 1500 quilómetros dentro do EEE, ou viagens entre 1500 e 3500 quilómetros que envolvam um aeroporto fora do EEE; ou quatro horas, para viagens superiores a 3500 quilómetros), devem ser oferecidas a título gratuito ao passageiro refeições e bebidas em proporção razoável ao tempo de espera, bem como duas chamadas telefónicas ou mensagens por correio eletrónico.
Direito ao reembolso
Sempre que o voo se atrasar, pelo menos, cinco horas, e se não quiserem seguir viagem, os passageiros têm direito ao reembolso do bilhete e a ser transportado de volta para o local de partida original.
Direito à indemnização
Em atrasos de três horas ou mais, os passageiros têm ainda direito a uma indemnização entre 250 e 600 euros, consoante a distância e a duração do atraso.