Vem aí um grande aumento na conta da eletricidade, augurou Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa, no programa Conversa Capital, da Antena 1 e Jornal de Negócios. Há, no entanto, razões por trás desse augúrio que não são as mesmas referidas por Ribeiro da Silva. “Já nas faturas de consumo elétrico de julho, as pessoas vão ter uma desagradável surpresa. Estamos a falar de qualquer coisa na ordem dos 40 ou mais por cento, e não tem nada a ver com as empresas elétricas, aparecerá nas faturas numa linha específica, a dizer que o mecanismo coberto do diploma X de teto sobre os preços do gás, cabe-lhe a si, feliz contribuinte, ou infeliz contribuinte, contribuir com X, para além do preço que tinha no seu contrato”, disse o gestor da empresa espanhola, acusando este aumento de ser consequência do travão ibérico aos preços do gás decidido por Espanha e Portugal e aprovado pela Comissão Europeia. Mais, Nuno Ribeiro argumenta, na mesma entrevista, que os únicos a beneficiar com essa medida são os consumidores espanhóis.
Por outro lado, no entanto, um especialista da área, que preferiu manter o anonimato, considerou que as palavras de Ribeiro da Silva “estão completamente descontextualizadas”.
“No mercado regulado, os preços não vão aumentar exponencialmente”, explica a mesma fonte, argumentando que “no mercado livre, quem tem contratos a prazo em vigor desde antes de abril, também não”, fazendo referência às alíneas do Decreto de Lei 33/2022, onde se lê que “o custo da liquidação do valor do ajuste de mercado não se imputa, ainda, aos consumos realizados ao abrigo de contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos celebrados antes de 26 de abril de 2022”.
“Quanto aos novos contratos, pelos vistos tudo depende deste braço de ferro com a Endesa/Rebelo da Silva/APREN e o Governo. Aqui, o Governo se tiver coragem, pode mandar rearrancar as centrais a carvão”, continua a mesma fonte, concluindo: “Isso assusta estes lóbis …mas a guerra está acesa”.
Alarmismo
As palavras do presidente da Endesa caíram mal ao Governo, com o MAAC a considerar as declarações do presidente da Endesa como ‘alarmistas’. “O MAAC rejeita estas declarações alarmistas do Presidente da Endesa e não vê qualquer justificação no aumento de preços que foi comunicado”, escreve o Ministério em comunicado, argumentando que “o mercado livre tem outros comercializadores e os consumidores poderão sempre procurar melhores preços” e que “os consumidores poderão também aderir à tarifa regulada que foi reduzida em 2,6 no segundo semestre deste ano”.
Mais, o MAAC diz que “o Mecanismo Ibérico não gera défice tarifário”, e foi “negociado e aprovado pela Comissão Europeia, e com a área da Concorrência”, sendo que “os preços de mercado têm aumentado como consequência da guerra e da subida dos preços no gás” e que “os preços com o Mecanismo têm sido sempre abaixo dos preços sem mecanismo conforme comunicação diária que o Ministério tem produzido”.
“O Mecanismo Ibérico reforçou a proteção ao nosso País mas vamos continuar a apostar estruturalmente na aceleração das energias renováveis”, conclui o ministério tutelado por Duarte Cordeiro, depois de mostrar as contas:_“O preço médio no MIBEL para hoje é de 114.14 €/MWh + 84.94 €/MWh do ajustamento = 199.08 €/MWh (compara com o valor de 253.16 €/MWh, caso não existisse mecanismo, traduzindo-se, assim, numa redução de 54.08 €/MWh, que corresponde a uma poupança de cerca de 21%)”.
O próprio João Galamba, Secretário de Estado do Ambiente, considerou que “ao contrário do que disse o presidente da Endesa, não há nenhuma subida de 40%. Se está a falar sobre ofertas comerciais da própria empresa, só o próprio poderá dizer”, em declarações à Lusa.
Já a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) publicou um comunicado, esclarecendo que “estará particularmente atenta a esta situação e não hesitará em atuar, em caso de incumprimento nesta matéria, por parte dos comercializadores”, que “ na quantidade de energia aprovisionada através de contratação a prazo ou intra grupo, com preços firmes, estão isentos do pagamento do custo do mecanismo. “Nesse sentido, os seus clientes com ofertas comerciais de preço firme, e como tal não beneficiando do presente mecanismo, não poderão ser onerados por um custo relativamente ao qual o comercializador não incorreu”, conclui a ERSE.
Especialista discorda
“O Decreto-lei [30/2022, relativo ao tal Mecanismo Ibérico] aplica-se, neste momento, a quem está no mercado aberto. As declarações do Ribeiro da Silva estão completamente descontextualizadas dentro desse quadro. De facto, quando se acabou com as centrais a carvão, no mercado marginalista, às horas a que é preciso recorrer ao gás natural, os preços disparam, consequência – e isso não diz, porque não lhe interessa – do problema terrível das intermitências das eólicas e das fotovoltaicas”, acusa a mesma fonte anónima que o i ouviu, considerando que “o Decreto-lei, nesse aspeto, limita os preços de todo o sistema naquelas horas, o que é benéfico para os consumidores”.
“Aquilo limita alguma coisa a situação, sendo certo que o Decreto de lei até protege muito, ao contrário do que está a dizer o Ribeiro da Silva, os produtores de eletricidade, porque quem tem de pagar o subsídio ao gás natural são os próprios consumidores de eletricidade” refere a mesma fonte ao i, acusando:_“Nesse aspeto, ao estar tabelado, eu sei que alguns dos produtores das centrais de gás natural, a começar pelo próprio Ribeiro da Silva, ficaram piores que estragados, porque não podem pedir as loucuras que pediriam de outra maneira, porque está tabelado”.
Os disparos vão em todas as direções, e há uma conclusão: “O que está por trás das declarações de Ribeiro da Silva é que houve muita gente que tinha contratos semestrais de eletricidade, que acabaram no dia 1 de julho. O que é que acontece? Agora, quando vão fazer novo contrato, o produtor de eletricidade diz ‘Ok, porreiro, eu ofereço-lhe o preço médio do mercado grossista de 90 ou 120 euros, que é já em si um balúrdio, mas você, em cima disso, tem de pagar o subsídio do gás natural, porque o decreto de lei assim o exige’”.