Washington está em convulsão após a rusga do FBI à mansão de Donald Trump em Mar-a-Lago, na Florida, que terá sido devido a suspeitas de que retirara documentos confidenciais da Casa Branca, avançou a imprensa norte-americana. Nunca um antigo Presidente fora alvo de uma investigação do género, ainda para mais quando era perspetivado que se voltasse a candidatar. É que as potenciais penas por destruição ou remoção de registos presidenciais podem incluir multas, prisão ou até a proibição de exercer cargos públicos. E os apoiantes de Trump já se mobilizam em sua defesa, ameaçando aumentar a polarização política nos Estados Unidos.
A “linda casa” do antigo Presidente em Mar-A-Lago – que foi alcunhada como a “Casa Branca de inverno” durante o seu mandato, tornando-se o centro de operações de Trump após este perder as eleições – foi posta “sob cerco, alvo de uma rusga e ocupada por um grande grupo de agentes do FBI”, anunciou o próprio esta segunda-feira, em comunicado, na segunda-feira à noite. “Eles até arrombaram o meu cofre”, queixou-se. E, como esperaria qualquer observador que acompanhe a política norte-americana, as reações dividiram-se sobretudo em função de linhas partidárias.
Do lado republicano, mal o círculo mais próximo do antigo Presidente – que não estava em Mar-a-Lago quando se deu a rusga, porque fora passar uns dias ao seu clube de golfe em Bedminster, emNew Jersey, segundo o Guardian – soube do que se sucedia desencadearam-se “chamadas frenéticas, à pressa, entre aliados de Trump a discutir como calibrar uma resposta”, descreveu o Politico. “Rapidamente, uma narrativa clara emergiu deles: as buscas representavam um ataque político deliberado”.
Já do lado dos democratas, a rusga era vista por muitos quase como uma continuação dos inquéritos do Congresso à insurreição de 6 de Janeiro, quando apoiantes de Trump tomaram o Capitólio de assalto. “Isto é o que acontece quando se quebra a lei, se tenta roubar uma eleição e se incita uma insurreição violenta”, salientou a congressista Pramila Jayapal, no Twitter. “Estamos a testemunhar a diferença entre um sistema honesto e um corrupto”, acrescentou o seu colega Eric Swalwell. “Trump trouxe-nos perigosamente próximos de uma América permanentemente corrompida. O Estado de Direito está a tomar forma. E a responsabilização vem aí”.
Claro que, na prática, ambos os lados também estão a pensar que impacto é que o novo escândalo de Trump poderá afetar as presidenciais de 2024. Ou até as eleições intercalares de novembro, onde a expectativa é que os democratas percam terreno, estando em risco a sua maioria na Câmara dos Representantes e no Senado. As sondagens têm sido particularmente confusas, estando a popularidade de Joe Biden nas ruas da amargura – o Presidente só tem a aprovação de menos de 40% – muito devido à inflação e ao preço dos combustíveis, ao mesmo tempo que a desaprovação dos republicanos também aumenta, sendo isso relacionado a ter tido vitórias recentes, em temas impopulares, como terem conseguido acabar com as proteções judiciais ao direito ao aborto, ou por terem bloqueado medidas contra controlos ao porte de armas, após mais um massacre numa escola, desta vez em Uvalde.
“Creio que os democratas deverão usá-lo como assunto, que no Estado de Direito, a proteção da democracia, é um assunto crucial”, explicou Chuck Schumer, líder dos democratas no Senado, no rescaldo da rusga a Mar-a-Lago, citado pelo Politico. ”Uma larga porção dos republicanos – não todos – tornaram-se naquilo a que chamo de republicanos MAGA”, frisou Schumer, referindo-se ao acrónimo de Make America Great Again. Esses “têm pouco respeito pelo Estado de Direito, pelo equilíbrio do poder e das instituições, francamente têm pouco respeito pela verdade em si mesma”, criticou. “Vão pagar o preço por isso nas eleições”.
“Acima da lei”? Não são somente os democratas que acham que conseguem mobilizar a sua base com a rusga a casa do antigo Presidente. Mal se soube que Mar-a-Lago estava a ser alvo de buscas do FBI, apoiantes de Trump, furiosos, começaram a aparecer à porta, acenando bandeiras e fazendo um buzinão, avançou o Palm Beach Post. Já online, fóruns de fãs mais fanáticos do ex-Presidente encheram-se de ameaças, avançou o Guardian. Notando que, nas horas após se saber desta operação judicial, houve um pico nas referências a “guerra civil”, muito semelhante ao que se observara antes de 6 de Janeiro.
Trump não hesitou em capitalizar esta fúria, de maneira a juntar mais alguns fundos para a sua campanha. “Por favor apressem-se a fazer doações imediatamente”, escreveu este magnata, que ficou conhecido pelo seu espírito empreendedor, num email direcionado aos seus apoiantes. E os aliados do antigo Presidente no Congresso também fizeram questão de cavalgar esta onda de indignação no universo MAGA, fazendo mira pelo meio a todos os republicanos que hesitam em tecer comentários às rusgas.
O Departamento de Justiça foi “transformado numa arma politizada” a um nível “intolerável”, acusou Kevin McCarthy, líder dos republicanos no Congresso, em comunicado, prometendo uma investigação à investigação, em particular ao procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, usando uma argumentação que traz à memória os ataques às instituições após as eleições em que Biden foi eleito. Chegando o congressista Ronny Jackson a escrever no Twitter que “o FBI oficialmente tornou-se inimigo do povo”. Chocando com a posição recorrente dos republicanos de intransigente apoio às autoridades policiais. Uma mudança que já se notara entre alguns republicanos, no rescaldo das investigação e detenção de insurretos de 6 de janeiro, descrita pela ala mais afeta a Trump como sendo uma caça às bruxas, aliás, aos conservadores.
Já os democratas vieram em defesa da atuação das autoridades. “É um precedente horrível para o Departamento de Justiça investigar um antigo Presidente dos EUA”, admitiu o congressista Ted Lieu. “O único precedente pior seria o Departamento de Justiça não investigar uma pessoa porque por acaso é antigo Presidente. Ninguém está acima da lei”.