Antas. No meio da festa, o convidado abusou um bocadinho

O FC Porto vem comemorando, por estes dias, os 70 anos da construção do Estádio das Antas. “Uma maravilha!”, escrevia Tavares da Silva.

O Porto estava em festa, mas festa rija. Era o dia 28 de Maio de 1952, cumpriram-se há pouco 70 anos, e a noite seria francamente iluminada com o reforço dos candeeiros nas artérias principais. A Torre dos Clérigos erguia-se, imponente, pelo meio do casario, na véspera houve baile até às tantas no_Palácio da Bolsa, forasteiros de todo o norte do país desaguaram na Avenida da Boavista onde se desenrolou um cortejo militar de arromba. Das janelas dependuravam-se vistosas colchas e colgaduras, resumia um dos repórteres no local. O general Craveiro Lopes, Presidente da República, vindo expressamente de Lisboa num comboio expresso reservado para si e para a sua comitiva, não teve mãos a medir com a tesoura: inaugurou o Bairro dos Pescadores da Afurada, o túnel rodoviário da estrada marginal e, em seguida, a nova ponte sobre o Sousa que tinha o maior arco de betão armado alguma vez construído em Portugal. À noite foi às Antas.

Tavares da Silva, um daqueles jornalistas de mão cheia, o homem que inventou o apodo de Cinco Violinos para a linha avançada do Sporting e até chegou a ser selecionador nacional: “O estádio é uma maravilha, quanto à sua concepção, ficando situado num local tão próprio e certo que parece estava a requerer a sua construção. Não há palavras para o descrever, nem ao cenário que o rodeia e integra. Trata-se de um estádio muito semelhante ao do Jamor, com uma larga abertura na mesma exposição, deixando uma visão panorâmica de rara beleza, dominando quilómetros de  vales e montes em desdobrar de imagens da natureza cheias de encanto e poesia”.

O encanto já se foi, a poesia só se for sobre o relvado, as velhas Antas deram, entretanto lugar às novas, para mim sempre Antas, é o nome do bairro, é o lugar que foi sempre a alma do FC_Porto. O estádio que se inaugurava tinha uma pista de atletismo, um relvado novíssimo de um verde intenso, uma cobertura de cimento que albergava não apenas as tribunas mas também a bancada central. “Em suma”, concluía o mestre Tavares da Silva, “está agora o FC Porto bem apetrechado, no campo desportivo, e só precisa, de uma equipa de futebol ao nível do estádio, para imagem e sugestão que os grandes espectáculos exercem sobre as massas”.

 

O convidado

Tavares da Silva tocava num ponto sensível do FC_Porto dessas épocas. Depois de ter sido campeão em 1939-40 teve de esperar até 1955-56 para conquistar novo título. Entretanto, como diz o povo, de Chão de Maçãs a Santiago de Riba Ul, os rivais de Lisboa alambazavam-se. O FC_Porto convidou, para o momento solene, os amigos do_Benfica para um jogo que seria o pináculo da festa. Ao lado de Craveiro Lopes sentou-se o engenheiro Francisco_Ulrich, o ideólogo das Antas. Tavares da Silva outra vez: “Todos os clubes se associaram a este momento grandioso e inesquecível na vida de uma das maiores colectividades portuguesas e, certamente, a maior do norte, devendo salientar-se a cooperação, felicíssima, de um outro clube histórico, o Sport Lisboa e Benfica, que compareceu com luzida e numerosa representação, expondo todas as suas modalidades e actividades e que não descurou um pormenor para revelar a sua solidariedade, desde o avião que sobrevoava o campo dizendo ‘O Benfica saúda o Porto’, passando pela entrada com a bandeira do FCP à maneira brasileira, até à entrega de uma recordação antes de começar o pleito”.

O convidado não tardou a abusar. Atirou-se ao jogo com uma gana que os jogadores portistas não tinham para dar, muitos deles tendo-se queixado no final que foram obrigados a passar várias horas ao sol durante a inauguração ouvindo discursos intermináveis. O resultado foi contundente: 8-2 para os encarnados. Arsénio (4), José_Águas (3) e Rogério marcaram os golos do Benfica. Ficou para a história a lesão do guarda-redes Barrigana, da qual muitos desconfiaram, até os próprios colegas de equipa, convencidos de que não ele não estava era para sofrer mais golos. A taça em disputa, que levou, compreensivelmente o nome de Taça Craveiro Lopes, era um troféu monumental. Só para o carregarem foram precisos quatro jogadores. O público, que fez com que o estádio rebentasse pelas costuras, perdoou aos seus rapazes. Afinal o que estava em causa era motivo de muito maior orgulho do que uma simples vitória num jogo de futebol. Era o futuro!