Morreu o ilustrador Sempé, criador do Menino Nicolau

Depois de uma infância difícil, Jean-Jacques Sempé desforrou-se, divertindo-se a si e aos outros com os seus desenhos bem-humorados.

Como todos os bons ilustradores, Jean-Jacques Sempé não era apenas um simples ilustrador, mas alguém que pensava com lápis e papel. Um artista que, com os seus traços aparentemente simples, um pouco ingénuos até, dizia tudo, especialmente o que não pode ser dito por palavras. O criador do Menino Nicolau, bem como de milhares de ilustrações para a imprensa, morreu na quinta-feira, dia 11, a seis dias de cumprir 90 anos.

Nascido perto de Bordéus a 17 de agosto de 1932, não tinha boas recordações da infância. «Não foi muito divertida», confidenciou na derradeira entrevista ao Le Monde. «Não sei nada do meu pai. Era patrão da minha mãe, que era secretária. Um homem encantador, parece», disse então. Acabou por ser perfilhado pelo companheiro seguinte da mãe, Monsieur Sempé, cujo nome adoptou. «Fui entregue a uma ama de leite, e quase morri dos maus-tratos».

O ambiente doméstico, porém, também estava longe do ideal. O padrasto, que vendia conservas, chegava frequentemente a casa bêbedo, o que dava azo a discussões constantes com a mãe. As dificuldades causadas pela falta de dinheiro não ajudavam.

Muito pequeno, Jean-Jacques descobriu a rádio – contava que tinha sido o jazz a proporcionar-lhe as primeiras alegrias.

Depois veio o desenho, onde pôde fazer transbordar o seu humor e desforrar-se dos anos difíceis da infância.

Passou o período da guerra nos Pirenéus, e aos 14 anos abandonou a escola. Para sobreviver, foi moço de recados, representante de uma marca de pasta de dentes e agente de uma companhia de vinho.

A sua carreira como ilustrador começa em 1950, no jornal Sud Ouest. Em 1954, já em Paris, conhece René Goscinny, o criador de Asterix. Dele disse: «Foi o meu primeiro amigo parisiense, ou seja, o meu primeiro amigo».

Desse encontro nasce o Pequeno Nicolau, um menino irrequieto com tendência para se meter em apuros, que começou por existir na imaginação de Goscinny.

Durante a década de 50 Sempé afirma-se como ilustrador original, publicando não só em jornais e revistas francesas (incluindo a Paris Match) como no estrangeiro (Esquire, Punch). Torna-se uma presença assídua nos bares e discotecas de Paris, onde era visto na companhia de estrelas como Brigitte Bardot e Françoise Sagan. A partir do final da década de 70, haveriam de ficar famosas as suas capas para a New Yorker. O sucesso profissional veio acompanhado de recompensas financeiras. Ao ponto de, em 2018, o Le Monde associar o seu nome ao escândalo dos Panama Papers.

Sempé teria uma offshore para ocultar os seus bens e obter benefícios fiscais. Elegante e bem parecido – o Le Monde notou que usava sempre camisa azul, a condizer com a cor dos olhos – Sempé casou-se por três vezes e teve dois filhos, um dos quais, Jean-Nicolas, morreu em 2020, aos 65 anos.