Há vozes que associaremos eternamente a certos filmes, músicas, livros… No caso de Olivia Newton-John, versos como «You better shape up / ‘Cause I need a man / And my heart is set on you» são indissociáveis da mesma. Quando os cantarolamos ou ouvimos ‘You’re The One That I Want’, surge-nos a imagem de Sandy, após a mudança de visual, a cantar e dançar com Danny (John Travolta), ambos com indumentárias típicas do fim dos anos 50 e a encantarem através do grande ecrã, em ‘Grease’.
Mas antes de ter conquistado o público com a performance da fascinante personagem Sandy, em Grease, Newton-John trilhou um longo percurso repleto de conquistas, mas também de obstáculos e trabalho árduo, que terminou no início desta semana. Na segunda-feira, a morte da atriz e cantora de 73 anos foi anunciada pelo próprio marido. «Dame Olivia Newton-John morreu pacificamente no seu rancho no sul da Califórnia esta manhã, cercada por familiares e amigos. Pedimos que todos respeitem a privacidade da família durante este período muito difícil», escreveu John Easterling.
«A sua inspiração de recuperação e experiência pioneira com plantas medicinais prossegue com o Fundo da Fundação Olivia Newton-John, dedicado à investigação de plantas medicinais e cancro. Em vez de flores, a família pede que qualquer doação seja feita em sua memória para o Fundo da Fundação Olivia Newton-John (ONJFoundationFund.org)», esclareceu.
Filha de um antigo membro da MI5 – serviço de inteligência e segurança – que se tornou professor universitário de alemão e de uma alemã que fugiu do regime Nazi, e foi para o Reino Unido com a família em 1933, nasceu em Cambridge, Inglaterra. Foi lá que Olivia Newton-John passou os primeiros cinco anos de vida. Depois foi para a Austrália com a família e, aproximadamente uma década depois, já adolescente, regressou ao país que a vira nascer, graças à vitória num concurso musical. Foi lá que deu os primeiros passos «oficiais» no mundo da música, tendo lançado os singles ‘Till You Say You’ll Be Mine’ e ‘For Ever’.
Contudo, a mais nova de três irmãos (Hugh nasceu em 1939 e morreu em 2019 e Rona nasceu em 1941 e partiu em 2013) não estava feliz em Inglaterra – sentia falta da Austrália e do seu namorado, Ian Turpie. Às escondidas da mãe, que a tinha acompanhado, tentou reservar um voo de regresso. «Felizmente para os fãs de Olivia e a sua futura carreira, a sua mãe não deixou que a filha desperdiçasse essa oportunidade de ampliar os seus horizontes e os planos de Olivia foram frustrados», explica o site especializado Only Olivia, exclusivamente dedicado à artista e à sua carreira.
As coisas melhoraram quando Pat Carroll, uma australiana, chegou ao Reino Unido. Juntas, formaram um dueto e, sonhando com o estrelato, atuavam em pubs e clubes. Novidade no cenário musical britânico, as performances iniciais nem sempre foram um sucesso. No bar Revue, de Paul Raymond, por exemplo, Olivia e Pat ficaram surpreendidas com os «trajes diminutos» dos outros artistas em palco, como recorda o site Only Olivia. Somente mais tarde vieram a perceber que tinham estado de vestidos de gola alta num clube de strip!
Entre os primeiros álbuns e a Eurovisão
Quando Olivia tinha apenas 20 anos, em 1968, Bruce Welch da banda Shadows apaixonou-se por ela e ficaram noivos – algo problemático, pois o músico era casado. Para piorar as coisas, no final do ano seguinte o visto de Pat caducou, obrigando-a a regressar à Austrália. Mas nem tudo eram más notícias. Por esta altura, surgiu a oportunidade de Olivia se estrear no cinema, com o desafio para se juntar à banda Toomorrow, que seria a «resposta britânica» aos Monkees. Este grupo ‘fictício’ lançou um álbum homónimo em 1970 para acompanhar o filme Toomorrow, mas o público não ficou impressionado e Olivia voltou a concentrar-se na sua carreira a solo.
Volvidos dois anos, era convidada para ser a estrela residente do programa televisivo de grande sucesso de Cliff Richard – que posteriormente admitiu ter estado apaixonado por Olivia -, cantando igualmente ao vivo na capital britânica. Como salienta um dos mais conhecidos clubes de fãs de Olivia, o início dos anos setenta foi um período prolífico para Olivia – a sua associação a Cliff Richard e à banda Shadows levou a sua música até ao grande público. No decorrer destes anos, lançou os álbuns Olivia Newton-John (1971), Olivia (1972) e Music Makes My Day (1973).
Bruce Welch – apesar das dificuldades que enfrentavam – produziu o primeiro single de sucesso de Olivia, uma cover de ‘If Not For You’, de Bob Dylan. Este single foi o primeiro grande sucesso de Olivia nos EUA, tendo seguido esse caminho com ‘Let Me Be There’, que alcançou a 6.ª posição nos tops americanos. Separada de Welch, foi John Farrar, outro membro dos Shadows, quem assumiu a composição e arranjos. Juntos, iriam revelar-se uma dupla de sucesso. Farrar, que conhecia Olivia desde os primeiros dias, acabaria mesmo por casar-se com Pat Carroll, a antiga parceira de Olivia.
De férias no Sul de França, em 1974, Olivia conheceu Lee Kramer, que tinha um negócio bem-sucedido de importação/exportação. Com o romance no ar, Lee tornou-se namorado e empresário de Olivia durante grande parte do resto da década. Pouco antes de se mudar para os EUA para continuar a consolidar o seu percurso que já era reconhecido, Olivia representou o Reino Unido na Eurovisão, ainda em 1974. Tanto a música quanto a indumentária – que tem sido recordada e fortemente elogiada nas redes sociais, principalmente no Twitter – foram selecionadas por telespectadores que participaram numa sondagem.
A verdade é que a música – ‘Long Live Love’ -, e o traje azul bebé e esvoaçante acabaram por ser alvo de fortes críticas. 1974 foi o ano em que os ABBA alcançaram o estrelato com ‘Waterloo’, que lançou a sua carreira internacional. Mesmo assim, Olivia ficou em quarto lugar. Já em solo norte-americano, em 1975, lançou o álbum Have You Never Been Mellow. O sucesso dos singles catapultou Olivia para os canais de televisão, tendo participado em programas como Midnight Special. Em 1976, conquistou o direito ao seu próprio especial de TV através da ABC: A Very Special Olivia Newton-John.
Conquistando o público anglo-saxónico, e não só – por exemplo, fez uma tournée no Japão em 1976 -, decidiu instalar-se em Malibu, perto de Los Angeles, num rancho que adquirira numa zona montanhosa. Assim, manteve cães e cavalos na sua propriedade. Era de tal modo apaixonada pelos animais que recusou voltar ao Japão até que alterassem as práticas de pesca do atum para reduzir o abate desnecessário de golfinhos que acabavam por ficar presos nas redes.
Foi perto do final da década de 70, aos 30 anos, que atingiu o auge da sua carreira. Em Los Angeles, um produtor estava à procura de uma protagonista feminina para atuar ao lado de John Travolta na sua próxima adaptação cinematográfica do musical Grease. Ainda que não estivesse certa de que o seu lugar seria o grande ecrã, convidada a aparecer, Olivia não recusou. Lançado em junho de 1978, Grease (habitualmente traduzido para Brilhantina) transformou-se num dos musicais mais vendidos de todos os tempos e a banda sonora do filme «explodiu» completamente um pouco por todos os pontos do globo. ‘You’re The One That I Want’ foi a música que, até ao fim, cantava e dançava com Danny, o galã interpretado por Travolta.
O ator foi justamente um dos primeiros a reagir à morte de Newton-John, através de uma mensagem que tem sido intensamente partilhada por fãs nas redes sociais. «Minha querida Olivia, tornaste as nossas vidas melhores. Tiveste um impacto incrível. Amo-te tanto. Vemo-nos mais à frente, na estrada. Vamos voltar a estar juntos. Teu, desde o momento em que te vi pela primeira vez e para sempre! O teu Danny, o teu John».
A maioria dos fãs de Travolta e Newton-John emocionou-se com esta homenagem e não é de estranhar: quando lemos as palavras do galã que se vestia de cabedal preto da cabeça aos pés e tinha passos de dança fluidos e cativantes, podemos pensar de imediato em músicas como ‘Hopelessly Devoted To You’. E, acima de tudo, lamentar que Travolta tenha sido devoto a três mulheres que partiram precocemente com cancro da mama: a atriz Diana Hyland (com quem se envolveu, ainda que tivesse menos 18 anos do que ela, sendo que esta perdeu a vida em 1977), Kelly Preston (a sua esposa, que foi ‘vencida’ pela doença em 2020) e Newton-John.
Os últimos anos
Após ter lançado sucessos como o álbum Physical (1981), juntamente com o companheiro Matt Lattanzi, foi mãe de Chloe no início de 1986 – filha de Olivia e Matt Lattanzi, o primeiro marido de Olivia que acabaria por fugir com a babysitter de Chloe que, à época, tinha 23 anos. Tal terá deixado Olivia destruída – e iniciou aquele que viria a ser um hiato de seis anos na sua carreira, dedicando-se à maternidade e à cadeia de lojas Koala Blue. Exatamente no ano em que regressou à música, em 1992, surgiu a notícia de que sofria de cancro da mama.
Na verdade, além de outras patologias, viria a enfrentar esta doença três vezes: a última vez que se soube que tinha sido diagnosticada com a doença que a ‘assombrava’ há praticamente 30 anos foi em 2018. Curiosamente, nesse mesmo ano, lançou a autobiografia Don’t Stop Believin’, abordando uma infinidade de rumores e perguntas que queria explicar por meio das suas próprias palavras. Incluindo se ela e Travolta haviam namorado, os seus medos em relação ao lançamento de Physical, processando o Universal Music Group por se ter apropriado dos royalties de Grease e até mesmo o misterioso desaparecimento de Patrick McDermott – namorado de Olivia durante 9 anos que deu o último sinal de vida há 17 anos e chegou a ser acusado de forjar a própria morte e ter fugido para o México.
Numa entrevista ao programa Sunday Night, no canal australiano Seven, Olivia Newton-John, que estava prestes a completar 70 anos, anunciou que desde 2017 sofria de cancro na base da coluna. O diagnóstico tinha sido mantido em segredo até agora.
Para combater as dores, a co-protagonista do filme Grease explicou que estava a recorrer à medicina moderna e a tratamentos naturais, incluindo óleo de canábis. «Tenho muita sorte de viver num estado onde [o canábis] é legal», disse a atriz. Era o seu último companheiro, John Easterling (com quem casou em 2008), quem cultiva a canábis. «O meu sonho é que em breve passe a estar disponível na Austrália para todos os pacientes que sofram de cancro ou de qualquer doença que cause dor».
Antes de a doença a ter vencido, foram-lhe atribuídas inúmeras distinções. Por exemplo, em 2018, recebeu o Doutoramento Honorário em Letras da La Trobe University, em Melbourne. Em 2019, o Companion (AC) da Ordem da Austrália (Divisão Geral), a maior honra australiana. No final de 2019, foi nomeada Dama Comandante da Ordem do Império Britânico por Sua Majestade a Rainha, tornando-se Dama Olivia Newton-John, por ter contribuído para a música, a investigação do cancro e a solidariedade social.