O termo “remake” em Hollywood é algo que faz mais revirar os olhos dos fãs. E, em alguns casos, com razão. Já estamos fartos de ir ao cinema e ver mais uma vez o tio de Peter Parker, alter-ego do Homem-Aranha, a morrer, ou o trágico destino dos pais de Bruce Wayne que o conduzem à transformação e o levam a envergar o manto de Batman.
Às vezes alguns destes filmes tentam introduzir mudanças que deixam um sabor amargo na boca dos fãs, como a revolta que gerou quando Michael B. Jordan, ator afro-americano, foi escolhido para o papel de Tocha Humana (Johnny Storm na banda desenhada era um homem branco) na versão de 2015 do filme do Quarteto Fantástico ou a equipa constituída exclusivamente por mulheres no Ghostbusters de 2016.
Outros não tentam mudar a fórmula original do filme, procurando replicar os sucessos originais, como é o caso de Ben-Hur (2016), Conan o Bárbaro (2011) ou Total Recall (2012), ou experimentam fórmulas tão estapafúrdias, como foi o sonho febril de Abraham Lincoln: Vampire Hunter (2012), que acabaram por produzir filmes que caíram completamente no esquecimento.
O que faz então um remake de sucesso? Esta é uma pergunta quase impossível de responder, mas um dos mais recentes casos de sucesso é Prey (ou, na versão portuguesa, Predador: Primeira Presa, que estreou no dia 5 de agosto na plataforma Disney+), um filme que explora a história de origem de Predador, a icónica criatura extraterrestre introduzida no filme com o mesmo nome de 1987 e que contava com Arnold Schwarzenegger como protagonista.
O Predador foi concebido como uma criatura que colecionava outros seres por desporto. Um dos seus criadores foi o artista de efeitos especiais, Stan Winston, que, enquanto voava para o Japão com o realizador de Aliens, James Cameron, que sugeriu que “sempre quis ver algo com mandíbulas”.
No primeiro filme, esta criatura caça um grupo de soldados norte-americanos que tentava resgatar um ministro numa floresta tropical. Um conceito simples e que, na altura do seu lançamento, depois de alguns lançamentos de filmes de terror com monstros e com argumentos mais “cerebrais”, como os filmes Alien (1979 e 1986) ou The Thing (1982), foi criticado por ter “um dos argumentos mais vazios, fracos e derivados já feitos por um grande filme de estúdio”, escreveu Michael Wilmington no Los Angeles Times depois do filme ter sido lançado, acrescentando ainda que “não existia necessidade da revista MAD fazer uma paródia do filme, uma vez que ela já existia no grande ecrã”.
Contudo, apesar de nem sempre ter sido o filme mais querido entre a crítica, a misteriosa personagem sempre acompanhou o imaginário da sua audiência e foi se mantendo presente na cultura pop, aterrorizando a humanidade em seis outros filmes, inclusive em duas longas-metragens onde enfrentou o Alien, em bandas desenhadas e vídeo jogos.
A mais recente aparição em filme do Predador é talvez a mais ambiciosa e a que gera maior desconforto entre os espetadores. O filme acontece no ano de 1719 e segue uma tribo Comanche, com a jovem nativa-americana, Naru (interpretada por Amber Midthunder, uma atriz do Novo-México, membro da tribo Fort Peck Sioux), que ocupa o papel principal da longa-metragem.
Com uma abordagem mais contemporânea, adotando uma “protagonista feminina forte, uma sátira machista, crítica anticolonial” e com um “elenco dominado por atores nativos americanos e das Primeiras Nações”, tal como evidencia Adam Nayman no The Ringer, The Prey injeta uma vitalidade e brutalidade no franchise revelando ser uma das maiores surpresas do ano.
Numa altura em que Hollywood se refugia na nostalgia, seja com as incontornáveis referências dos lançamentos da Marvel, que continuam a esmagar as bilheteiras enquanto filmes como Thor: Love and Thunder resgatam a música dos Guns ‘n’ Roses, ou o novo Top Gun, Maverick, que se tornou um dos maiores sucessos após os cinemas terem encerrados devido à covid-19, é interessante olhar como o Predador, um pedaço dos anos 1980, se tornou uma das obras mais interessantes de 2022 ao olhar para um passado que os Estados Unidos às vezes prefere varrer para debaixo do tapete.
O interesse pela cultura nativo-americana tem estado a crescer, por exemplo, com a série Reservation Dogs, uma sitcom sobre a vida de adolescentes indígenas que vivem numa reserva no Oklahoma (que inclui uma equipa praticamente composta por atores desta etnia), e que revela um interesse por parte de espetadores por grupo de pessoas que não estão habituados a ver na sua televisão ou no grande ecrã, havendo ainda o exemplo de Ramy, série da HBO sobre o personagem que partilha o nome com a série, um muçulmano a viver nos Estados Unidos (ambas estas séries são produzidas pela Hulu).
“Nunca houve muitas oportunidades para os nativo-americanos em termos de papéis e representação, ou até a trabalhar atrás das câmaras”, disse a protagonista, Amber Midthunder, em entrevista à Indiewire. “Quando meu pai [David Midthunder, ator] começou a atuar, muitas vezes interpretava um personagem que apenas servia como um para outros personagens. Ou era um papel de um personagem espiritual ou completamente selvagem e violento”, explicou, queixando-se dos estereótipos que eram frequentemente colados à sua família.
“Ter um filme que mostra uma grande variedade de personalidades com desejos, personalidades e relacionamentos diferentes é uma visão honesta de como os nativo-americanos deveriam ter sido retratados este tempo todo”, confessou, mostrando orgulho por todo o trabalho que está a ser desenvolvido nesta vertente.
“Poder ver séries como Reservation Dogs, Rutherford Falls, Dark Winds, Echo e o nosso filme, deixa-me muito orgulhosa. Espero ver mais projetos que procuram mostrar que os povos indígenas têm sido contadores de histórias. Este é o nosso meio e é assim que preservamos nossa cultura. Isto é apenas o começo”, reforçou.