Por Miguel Pinto-Correia, economista
Portugal é de uma aparente brandura inspetiva tributária no que a estrangeiros diz respeito. Falo da aparente falta de fiscalização por parte do fisco quanto àqueles que beneficiam do regime dos Residentes Não-Habituais (RNH) e quanto àqueles que sendo estrangeiros e residentes fiscais em Portugal passam por entre os pingos da chuva sem nunca terem submetido uma declaração de IRS, ainda que no âmbito da lei assim lhes é exigido.
Desde RNHs que decidem apenas submeter a sua declaração de IRS relativamente aos rendimentos mundialmente auferidos no primeiro ano subsequente ao da sua inscrição, passando por RNHs que decidem nunca submeter a sua declaração de IRS, ou ainda o caso de estrangeiros que beneficiam do regime de proteção temporária que continuam a exercer atividade de trabalhador independente no país de origem quando na verdade qualificam como residentes em Portugal (tendo aqui as suas obrigações contributivas e declarativas), Portugal é um autêntico ‘paraíso fiscal’ inspetivo.
Às situações acima descritas acrescentam-se ainda aquelas em que os contribuintes estrangeiros com residência em Portugal optam apenas por parcialmente declarar os rendimentos mundialmente auferidos, ou situações em que estrangeiros são residentes para efeitos fiscais há mais de 20 anos e nunca submeteram uma declaração de IRS que fosse. Nunca tendo sido chamados pelo fisco a ‘prestar contas’. Ou ainda detentores de vistos gold que recebem abonos de família (graças a declarações de IRS incompletas por opção do declarante)!
O acentuar do laxismo inspetivo que apenas beneficia os estrangeiros em Portugal, verifica-se ainda na situação daqueles que ‘a torto e a direito’ compram vários imóveis com cripto-ativos e nunca são chamados a prestar contas em sede de IRS para justificar e reportar a origem dos seus fundos. Sobre este caso lembro a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e se estiver errado os juristas ou contabilistas certificados que me corrijam, determinando que rendimentos do trabalho independente «implica[m] a ideia de exercício estável ou habitual da atividade comercial como forma de vida, mesmo que sem continuidade perfeita, como acontece com as atividades que, pela sua própria natureza, só podem ser realizadas em determinados momentos ou de tempos a tempos».
Tendo isto em conta, o Supremo Tribunal Administrativo considera «constituir um exercício normal e regular de uma ou mais atividades comerciais ou industriais» qualquer atividade que gere rendimentos suficientes para que um contribuinte se torne economicamente dependente da mesma, caso outras fontes de rendimento sejam inexistentes ou terminem.
Por último, o laxismo inspectivo é ainda acentuado pelos nómadas digitais que se acham sempre em terra nullius por andarem a fazer de ‘salta pocinhas’ e acharem que nunca terão obrigações fiscais seja onde for.
É por isso “interessante” ver o relaxe da Autoridade Tributária para com situações que são do pleno conhecimento dos stakeholders envolvidos com expatriados e que apesar dos alertas destes para com os últimos das ilegalidades que poderão estar a cometer vêem a AT impávida e serena durante anos.
Arriscar-me-ia a dizer que a AT tem um manancial de receita que parece ignorar, pelo simples facto dos decisores políticos entenderem que não se deve ‘chatear os [turistas que se tornam] estrangeiros’. Entretanto quem é alvo de inspeções tributárias frequentes e quem continua a pagar impostos ‘sem dó nem piedade’ em Portugal são os portugueses.
Note-se que não questiono os benefícios económicos decorrentes do estatuto dos RNHs e regime dos vistos gold, o último podendo ser combinado com o primeiro, mas sim o efetivo cumprimento por parte dos cidadãos estrangeiros das suas obrigações declarativas para efeitos fiscais.