Francisco Mota, Historiador e gestor de projetos
Portugal vive em crises estruturais sistematicamente, o nosso atraso é factual e não apenas retórico ou discurso político de oposição. Tendo por termo de comparação sociedades com as quais nos identificamos, partilhamos valores e objetivos comuns é penoso vermos que somos os mais atrasados da Europa. O país é estruturalmente dependente dos fundos europeus e após décadas de subsidiodependência, ainda assim continuamos a estar entre os países mais atrasados, sendo ultrapassados por estados membros que entraram muito mais tarde para a UE, mas que já almejaram a Europa a que nos comprometemos pertencer. A nossa decadência nacional é uma dura realidade, mas coletivamente vivemos bem com o falhanço. Alinhada com esta circunstância e como definiu João Maurício Brás: «Portugal tem ordenados de miséria e fiscalidade de muito ricos, ou seja, somos os que ganhamos menos e pagamos mais» . A Educação e a carreira dos docentes é apenas mais um problema estrutural num país demasiado estatizado, desorganizado, pouco reformista e ideologicamente dependente de uma visão intervencionista do Estado. Estamos perante um sistema educativo centralista, corporativista e incapaz de inverter o ciclo de desigualdades de oportunidades e qualidade do ensino.
Os Professores nos últimos 20 anos, assistiram à decadência da sua carreira e a uma desconsideração da sua missão. A retórica que foi montada junto da minha geração é que não compensava ser professor e ambicionar uma carreira estável era um calvário de décadas, o que não deixa de ser verdade. A forma, de como sucessivos governos, abordaram a educação sendo um custo e não como um investimento levou ao estado de calamidade a que atualmente assistimos. Desde logo, na qualidade do ensino lecionado, não que genericamente os professores não sejam bons, mas porque a sobrecarga administrativa, burocrática, os objetivos, as percentagens e o cumprimento de metas sobrepõem-se à exigência, rigor, qualidade do ensino e mérito. Perdeu-se a autoridade do professor na sala de aula, e não me refiro apenas ao comportamento dos alunos, mas sim à aparente exigência, a não poder chumbar quem não aprende, não quer aprender ou simplesmente tem dificuldades. Para o Estado, a qualidade do ensino não conta e o facilitismo tomou a dianteira dos números a apresentar à Europa. O aluno e a sua aprendizagem não são o centro da ação e os rapazes e raparigas são medidos por baixo.
É frustrante e desmotivador viver confrontado com esta veracidade dos factos e dos números. Em 20 anos, nos 2.º, 3.º ciclos e secundário, assistimos a uma redução de 18% no número de professores (2002 – 113561 / 2022 – 93107), quando o número de alunos aumentou 20% (2002 – 926669 / 2022 – 1107555). No que se refere aos estabelecimentos de ensino, sobretudo com a reorganização dos centros escolares, é evidenciada uma redução de 7% (2002 – 2840 / 2022 – 2635), mas enquanto isso, há um aumento de 48% de alunos por professor e uma redução de 12% de docentes por estabelecimento de ensino, exigindo-se como nunca de quem está a ensinar. Se a isto somarmos o envelhecimento do corpo docente, percecionamos que é urgente inverter a atual trajetória. Com uma média de idades, acima dos 50 anos e em que segundo o relatório da OCDE os ‘professores jovens’ era, em 2018, de apenas 2%, um número drasticamente inferior à média (10% no 3.º ciclo e 8% no secundário), há uma pressão acrescida sobre o governo nos próximos anos para recrutar e formar novos professores, uma vez que uma grande parte alcança a idade da reforma na próxima década.
O último ano letivo foi sintomático de um futuro comprometido, quando em abril eram mais de 20 mil os alunos sem professores, o que obrigou o governo a tomar medidas excecionais, que rapidamente se tem que tornar efetivas, de forma atrair as novas gerações para a docência, sobretudo nos territórios com maiores dificuldades em fixar pessoas, garantido assim o acesso à educação em igualdade de circunstâncias. Medidas como os horários completos e anuais, mesmo que em substituição, e a entrada no sistema do concurso nacional de professores apenas com habilitação própria é imperioso. Em abril deste ano eram mais de 5000 professores na bolsa de recrutamento, mesmo com as medidas operacionalizadas pelo Governo, apenas 186 docentes aceitaram exercer, e destes uma percentagem considerável apenas tinham habilitação própria, ou seja não faziam parte da bolsa de recrutamento. Se têm competência para responder aos concursos de escola, dando aulas em estabelecimentos de ensino que outros colegas não aceitam, porque não podem concorrer no concurso nacional, quando existe falta de professores e permitir aquisição da sua profissionalização e a componente de formação pedagógica, enquanto dão aulas?
Segundo a OCDE, os professores mais jovens são, em média, os mais mal pagos, com os deslocados, frequentemente, a pagarem para trabalhar, num esforço hercúleo de garantirem tempo de serviço. Na maioria dos países, os salários dos professores tendem a aumentar conforme os anos de serviço e experiência, mas em Portugal a diferença salarial entre os docentes em topo de carreira e aqueles em início de carreira é ainda maior. A média da OCDE aponta para salários entre 78% e 80% mais altos entre as duas classes. Já os docentes portugueses em topo de carreira ganham, em média, mais 116% do que os mais jovens. O complemento de alojamento e de transportes torna-se assim ainda mais inadiável e é uma justiça social, quando comparamos com juízes, políticos ou até mais recentemente os jovens médicos de famílias que vêm o seu vencimento reforçado com esse mesmo objetivo.
O ministro da Educação revelou, que numa década o número de professores a beneficiar do regime de baixa médica passou de 128 para 8.818. Daí, que o início de cada ano letivo seja uma incerteza, estatisticamente existem professores, não existem é professores disponíveis para dar aulas. Se por um lado, o envelhecimento, cansaço e desgaste do corpo docente é um fator, as consecutivas baixas deveriam ser avaliadas de perto, permitindo, a partir de uma certa idade, uma aposentação antecipada, de forma a disponibilizar esses lugares para os mais jovens. Por outro lado, não podemos ficar indiferentes às dúvidas, legitimas e oportunas, sobre o aumento exponencial do uso destes mecanismos, sendo que o aumento das taxas absentismo se deve ao facto de o Estado não garantir, que um professor seja remunerado condignamente. Nesta equação, a resolução carece de muita coragem e pragmatismo, até lá, quem fica a perder são os alunos e a qualidade do ensino.
Para além, do quadro de dificuldades específicas e próprias em redor de uma classe ou de um setor, embatemos sempre na dura realidade que insistimos coletivamente negar, o país falhou, e hoje, somos escravos de um lamento. Por mais, que as carpideiras chorem, as mãos que nos levaram ao velório, são as mesmas a quem deram o poder de decidir o dia seguinte.