«Esta canção é dedicada a Beatriz Lebre. Recebi uma carta muito bonita da sua mãe, nos Red Hand Files [site através do qual o artista recebe questões dos fãs] e ela gostava muito desta canção», começou por dizer Nick Cave, no fim de semana passado, quando dedicou a música Into My Arms à jovem que perdeu a vida com apenas 23 anos, em 2020.
A canção, do álbum The Boatman’s Call, era uma das favoritas da mestranda em Psicologia, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e, curiosamente, esta obra foi lançada três meses antes do nascimento da rapariga que, no seu perfil oficial do LinkedIn, autodescrevia-se como uma pessoa «apaixonada por música, pessoas, cinema, teatro, filosofia e literatura». A menina-mulher, natural de Elvas, tinha estudado música e a sua grande paixão era o piano e, assim, as claves de sol, as mínimas, as semínimas, as escalas musicais e afins eram uma das coisas que mais a uniam aos amigos e à mãe. «Eu não conhecia a plataforma. Sempre que há concertos com ligação ao nosso passado, meu e dela, compro dois bilhetes a pensar em mim e em alguém que queira ir comigo. Os miúdos [amigos de Beatriz] começaram a pensar em ir ver o Nick, mas por vezes estão a trabalhar, em exames, etc. Desta vez, foram quase todos os amigos dela», observa, em declarações à LUZ, Paula Bochecha Lebre, mãe da jovem que foi assassinada por Rúben Couto, colega de mestrado.
«Quando comprei os bilhetes, tinha falecido o filho de 31 anos do Nick. Este acontecimento ainda me comoveu mais. Ela falava tanto do Nick Cave. Não sabia como podia comunicar com ele e soube que, na plataforma dele, era possível deixar mensagens, perguntas e ele responde. Geralmente, sobre falecimentos. Eu, por acaso, estava no trabalho e pensei ‘Vou tentar e ver aquilo que dá’. Escrevi o texto, aquilo que sentia na altura. Escrevi sobre a perda de filhos, da Beatriz, do facto de gostarmos muito da música dele e, principalmente, da ‘Into My Arms’», desabafa, lembrando que o artista perdeu dois dos quatro filhos. Tal como o i já tinha noticiado, menos de sete anos após a morte de Arthur Cave – fruto do casamento de Cave com a atriz Susie Bick – com 15 anos, no passado dia 9 de maio, através de um comunicado divulgado pela HuffPost UK, o artista anunciou a morte do filho mais velho, Jethro Lazenby, de 30 anos. «Com profunda tristeza, confirmo que o meu filho, Jethro, faleceu. Agradecíamos que dessem à nossa família alguma privacidade», escreveu o também compositor.
À época, a BBC explicava que a morte acontecera dois dias depois do fotógrafo e modelo ter saído da prisão, onde estava preso desde abril, depois de ter admitido ter agredido a mãe, a modelo australiana Beau Lazenby, em Melbourne, cidade da qual era natural, sendo que a morte de Beatriz decorreu em circunstâncias bastante distintas que foram amplamente divulgadas na comunicação social. «Falei desta questão que nos conecta, disse que ia vê-lo ao vivo no MEO Kalorama e que gostava muito de ouvir ‘a nossa canção’. E que agora é, por acaso, a canção com que consigo chorar. Estou num estado em que não tenho chorado e quando oiço aquela música… É uma espécie de oração para mim», avança Paula, de 59 anos. «Escrevi-lhe por volta de junho. Entretanto, não recebi feedback nenhum. Mas, quando nos começámos a preparar para ir ao festival, fui ao Instagram oficial dele e escrevi que a minha filha tinha sido assassinada, que ele devia cantar a ‘Into My Arms’ e frisei que eu ia ao concerto dele», confessa, dizendo, com sentido de humor, que ficou extremamente entusiasmada quando se apercebeu da homenagem que seria feita a Beatriz. «Parecia as Miss Portugal quando o prémio é anunciado. Sempre gozei com as reações delas, mas fiz exatamente o mesmo!», sublinhou, visivelmente feliz por ter tido a oportunidade de viver mais um momento de comunhão com a filha, os amigos de ambas e a música que tanto amavam e amam. «Ser uma estrela não significa que é mais do que os outros: só esta mensagem de generosidade de uma pessoa que podia ser uma estrela petulante… Ele faz muita falta. Nunca mais lhe vou pedir nada para além de uma coisa: ele não pode morrer, precisamos do Nick Cave!», finaliza, realçando a admiração que nutre pelo cantor australiano de 64 anos que se tornou mundialmente conhecido, em 1983, com a fundação da banda Nick Cave and the Bad Seeds, e conquistou, mais uma vez, Portugal no último sábado com a voz de barítono que o caracteriza e a mestria por meio da qual aborda as temáticas da morte, religião, amor e violência.
Post-punk, alternative rock, gothic rock, art rock, experimental rock, garage rock… São muitas as influências e os estilos associados a Cave, que – como todos os artistas – não é adorado por todos, mas, há uma semana, mostrou que a solidariedade e a compaixão são universais.